Porque hoje é sábado – Jardim-Caeiro

Alexandre Bragion

Deito-me na relva para ser Caeiro. De olhos fechados, ponho-me nu, entregue, inteiro. Depois, abro os olhos e vejo-me real: estou deitado no canteiro do quintal, não tenho relva que me valha nem amor por mim verdadeiro.

Tomo as coisas nas mãos para achar graça, e então percebo que não vejo o que possa ser tão bonito num tempo feito de desgraças. Devo mesmo estar doente dos olhos – e devo a mim mesmo esse defeito, de pensar mais que consigo, de amar mais que perfeito, de negar o que seja só o de se ver, sem nunca deixar de ponderar sempre o efeito.

Sinto como o Mestre, no entanto, e para meu próprio espanto sinto tanto desencanto que meu canto é pranto constante ao cair da tarde que me invade em rebanhos-pensamentos-emoções.

Saudade. Sinto saudade de quem se foi, de quem nunca mais se viu. Sinto saudade de quem nem sei se existiu ou não existiu. Sinto saudade de sentir saudade até – porque ninguém escolhe sofrer ou quase. Por isso, sinto que acho que sinto, talvez de verdade (quem diz?), a grande ilusão da vida – presente nessa dor que a gente não sabe bem onde sente nem quando e por que sentiu.

Assim, e depois de tanto sofrer sem saber o porquê, finjo que sinto também a plenitude do ser que o mistério das cousas esconde por trás de nossa pele grossa. É abril. O sol já deveria ser ameno, mas resiste. Meu jardim de gramas secas, porém, sabe que as estações mudaram. O vento insiste. Disfarço com ele. Talvez sejamos uma coisa sendo outra. Talvez acreditemos – como o verão que persiste – que somos como sol a fazer pro bono – enquanto escondemos da vida (e do jardim) o nosso verdadeiro outono.

É abril – já se foi a Páscoa que não vivo. Volto a Caeiro.  Volto porque sei com ele que meus meio-dias de fim de primavera (e de verão) são o ano todo assim – e não deixam brotar em mim mais do que um pálido autoconforto, pois não espero nunca que a complacência se interesse por mim. Também não sei a verdade – e, como ele, não sou feliz. Não tenho o menino Jesus comigo nem vejo as moças que levam na estrada as bilhas à cabeça.

Sei somente que não sou nem o último nem o primeiro, e que não terei quem me adormeça nos braços do para sempre da relva seca do meu jardim ou num colo-regaço qualquer de minha própria e tão pequena aldeia – esquecida eternamente dentro de mim.

 

 

 

Alexandre Bragion, cronista deste matutino desde 2017

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