Entrevista – Antonio Andia Neto, o Franco da relojoaria: “A minha profissão está em extinção”

Antonio Andia Neto, da Relojoaria Franco, mostra o mecanismo de um relógio

 

Em entrevista ao jornalista João Umberto Nassif, o proprietário da Relojoaria Franco, Antonio Andia Neto, tem muita história para contar

 

 

A Relojoaria Franco está situada na Rua Benjamin Constant, 880, quase esquina com a Rua XV de Novembro, no centro de Piracicaba. O seu proprietário é Antonio Andia Neto. Conhecido como Franco. Ao entrar em seu estabelecimento, uma profusão de relógios está exposta nas paredes e balcões. Ele não é apenas um relojoeiro, é apaixonado por relógios. Muitos estão, como em uma sala de espera de um hospital, aguardando serem consertados pelas mãos hábeis e experientes de Franco. Adultos e crianças se encantam com os relógios cucos. As badaladas de um relógio antigo, mostram que ele está em teste. É uma profusão de peças, porcas, parafusos, ponteiros. Franco sorri, com ar de quem sabe o que está fazendo e diz: “os mecanismos dos relógios são simples! ”. Cabe salientar que em sua maioria são mecânicos, poucos usam sistemas eletrônicos.

 

O senhor é conhecido como Franco, o nome da relojoaria tornou-se uma identidade da pessoa física?

Sou conhecido como Franco, porque entrei para trabalhar aqui em 1966, eu tinha 13 anos. O dono da loja chama-se Célio Franco, ele é casado com uma irmã da minha mãe, cujo sobrenome é Fabretti. Portanto, ele é meu tio Célio! Fui aprendendo a profissão com ele. Trabalhei muito tempo com ele.

 

O senhor é natural de Piracicaba?

Nasci em Piracicaba, no dia 20 de agosto de 1953. Sou casado com Rosângela Zandoná. Temos três filhos: duas meninas e um menino: Juliana, Paula e Luiz Antonio.

 

Algum dos filhos seguiu a sua profissão?

Não! Eu também não encorajei ninguém a seguir. A minha profissão está em extinção. Aqui mesmo em Piracicaba, relojoeiros são poucos. A geração que está trabalhando agora é a geração da minha idade. Muitos relojoeiros já se aposentaram. Essa profissão de sentar na banca e consertar relógios, quase não existe mais! Principalmente nas cidades menores, está quase extinta essa profissão. Ainda existem nas cidades maiores. Aqueles relojoeiros especializados pegam o relógio, reformam, recuperam, vão atrás das peças, mas não são todos que trabalham dessa forma.

 

Os colecionadores e proprietários de relógios buscam esses profissionais para dar manutenção em suas peças?

Existe um nicho nesse mercado, há colecionadores, pessoas que preservam relógios pelo valor afetivo que representam. Eles procuram dar a melhor manutenção possível. Isso implica, às vezes, em até fabricar determinada peça. É um trabalho de restauração.

 

Trabalhar com relógios antigos é uma arte?

É uma arte! No meu caso e outros relojoeiros da minha idade, que começaram a trabalhar com os antigos relojoeiros, aprendemos totalmente na prática. Não existiam escolas aqui em Piracicaba. No SENAI em São Paulo, existia uma escola de relojoeiros. Ela foi fechada por falta de alunos! Ali a pessoa estudava e saía com competência para fabricar um relógio. Aprendia toda a técnica. No meu caso, aprendi com o meu tio. Eu ficava o dia todo na relojoaria. “Eu perguntava: “O que eu faço agora? ”. Ele dizia: “Desmonta o relógio! ”. Depois perguntava a ele: “E agora? ”. Ele respondia: “Monta o relógio! ”. Esse processo era o dia inteiro. Havia muitos despertadores. A quase totalidade dos relógios eram mecânicos. Eram raros os relógios eletrônicos.

 

Quais eram as marcas mais comuns na época?

Westclox era um relógio de origem americana, e era fabricado no Brasil. O despertador Junghans era alemão, e o despertador Jaz de origem francesa. Depois tinham os relógios de parede das marcas: Vedette, Junghans, Kienzle, havia uma grande variedade de marcas de relógios de parede.

(Nota do Autor: Westclox é um ex-fabricante e é uma marca atual de relógios e despertadores. A fábrica histórica da empresa foi localizada em Peru, Illinois. A história da marca é peculiar. Começou em 1885, quando Charles Stahlberg e outros formaram uma sociedade para produzir relógios com inovações tecnológicas. Pouco tempo depois a empresa faliu. Não existe nenhum exemplar de relógios fabricado nessa época. Em 1887, a empresa reorganizou-se sob novo nome. A empresa novamente faliu e foi reorganizada por FW Matthiessen em 1888 como o ocidental Relógio Manufacturing Company. Em 1908, a empresa recebeu uma patente para o despertador “Big Ben”. A empresa trouxe pela primeira vez o Big Ben ao mercado em 1909. O nome da empresa foi encurtado para “Ocidental Clock Company” em 1912. Em 1910, o Big Ben se tornou o primeiro despertador anunciado a nível nacional. Fonte: Relógio movido a corda)

Um relógio que desperta a curiosidade de crianças e adultos, é o famoso Cuco.

Trabalho com o Cuco! Aqui no Brasil havia uma fábrica de relógio Cuco. Na minha opinião, é o melhor relógio Cuco que existe. Eu nem sei se ainda estão fabricando relógios do tipo Cuco. A fábrica fechou. Vendeu as ferramentas, outro grupo assumiu.

 

O senhor trabalha também com relógios de grande porte?

São os que eu mais trabalho! Relógio de parede, relógio de igreja, relógio de chão. Aqui em Piracicaba eu tomo conta da manutenção do relógio da Catedral de Santo Antonio e da Igreja São Benedito, sendo que esta última vai entrar em restauração e lá o meu trabalho está parado até a conclusão das obras.

 

O relógio da Catedral são quantas faces?

São quatro faces, ou seja, os quatro lados da torre mostram as horas.

 

E só um mecanismo para todas as faces?

Sim, é só um mecanismo para as quatro faces!

 

O relógio da Catedral está situado a quantos metros do solo?

Está em torno de 40 metros de altura.

 

Como funciona o relógio? É elétrico?

O relógio da Catedral tem uma parte elétrica e uma parte mecânica. A parte elétrica é para um motor que rebobina o peso. Que faz funcionar. Embora haja contestações, mas acho que é original de fábrica, não teria como adaptar esse sistema depois que o relógio estivesse pronto. O peso para no andar de baixo, ou seja, no primeiro andar, ele não irá até o chão. Ele rebobina automaticamente, no final de curso ele já retorna enrolando o cabo que prende o peso na ponta.

 

E quando falta energia elétrica?

Voltando o fornecimento de energia elétrica, já pode rebobinar, só que tem que subir para ligar o funcionamento.

 

O senhor já foi chamado para acertar o horário do relógio da Catedral?

Toda semana eu subo lá! Mantenho o horário certo dele.

 

E como é lá em cima? Tem pombos?

Hoje é vedado, mas já entrou muito pombo lá!

 

O mostrador do relógio é feito de vidro?

Originalmente era vidro leitoso, só que foi quebrando e foi sendo substituído por vidro jateado. Ficou uma colcha de retalhos, cada um com um material diferente. Quando o Monsenhor Jamil Nassif Abib assumiu a Catedral, ocorreu uma tempestade que estourou vários vidros, teve um estrago danado lá. Repor com vidro é muito problemático. Decidimos, com o aval do Monsenhor Jamil, repor com acrílico. Mais resistente, até hoje não teve problema. Aquela face que é voltada para a Rua Boa Morte, saiu quase inteira. Nós colocamos de volta, tudo certinho.

 

O senhor trabalha também com o relógio da Estação da Paulista?

Eu dava a manutenção ao relógio da Estação da Paulista desde 2006. Quando foi feita aquela grande reforma. Fui contatado pelo Godoy, que era o responsável, um perfeccionista em todos os detalhes. Ele tinha chamado uma pessoa, ela foi lá, mas não realizou o serviço a contento. Eu fui indicado para ir lá. O Godoy pediu um orçamento, disse-lhe que dava o orçamento. Disse-lhe também que iria retirar o relógio, levar para a minha oficina, onde tenho as ferramentas necessárias. Vou desmontar o relógio inteiro, até o ponteiro e refazer tudo. No dia em que fui entregar o relógio ele, pediu-me para aguardar um pouco, pois iria chamar a sua secretária para filmar o que eu estava fazendo. Nunca vi um serviço tão bem feito como o que você está prestando. Do gosto dele. Se você me contrata para fazer um serviço, e eu não concordar com o serviço que você quer que eu faça, sei que vai me causar algum problema, eu não faço o serviço. Tanto que quando tenho que fazer um orçamento para alguma igreja, por exemplo; faço o orçamento do serviço completo. Se tiver que fazer a parte elétrica eu mesmo faço, procuro não depender de terceiros. Quando entrego o serviço, o padre não precisa preocupar-se com mais nada.

 

Tem padre que pede muito desconto?

Não. O que existe é padre que gosta do relógio e faz questão de mantê-lo em ordem. Outros já não se preocupam com aquilo que está lá em cima. Trocam simplesmente por outro tipo de relógio eletrônico, mais barato, que não tem que subir, não tem que ter alguém para manter o relógio funcionando. Aqui em Piracicaba, eu fazia a manutenção deles, como faço do relógio da Catedral. Reformei também os relógios da igreja de Charqueada, Iracemápolis e São Pedro, só que não dá para ir dar manutenção toda semana. Mesmo para a própria igreja, às vezes o custo não é ideal.

 

Nesses casos, o que o senhor faz?

Eu peço para o padre arrumar uma pessoa de confiança, em seguida eu treino ele. Dou o treinamento para ele resolver os problemas diários. Se quebrar, não tem jeito tem que me chamar para resolver.

 

Qual é a marca do relógio da Estação da Paulista?

Existia uma fábrica de relógios chamada Irmãos Micheletti, Vitório Micheletti. Era uma fábrica de relógios que tinha em São Paulo, segundo eu apurei com eles. Ela fechou por ter baixa demanda de relógios. Se você seguir pela Rodovia Dom Pedro I, irá passar por muitas cidades pequenas, todas elas têm relógio dessa marca, até Angatuba. Em Iracemápolis o padre estava fazendo uma reforma muito grande na igreja. Ele fechou a Igreja por um ano e a reformou inteira. E o relógio também. Só que me fez um pedido: “Eu quero que você fotografe passo a passo todo o seu processo de restauração. Fiz um CD e entreguei para ele. Fiz um catálogo, para quem for mexer no relógio saber o que fazer. Fiz um manual.

 

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Apanhando um álbum de fotografias, “Franco” vai descrevendo o interior do relógio da Catedral de Santo Antonio, em Piracicaba, o pároco era o Padre Otto Dana, as fotografias são do estado em que estava o relógio. Ele mostra seu trabalho desmontando o relógio para manutenção. O relógio foi inteiramente desmontado, as peças foram para as dependências do relojoeiro, foi realizado um minucioso serviço de limpeza. Na época Antonio Andia Neto- o “Franco”, estava com três relógios para restauro: de Rio das Pedras, Catedral de Piracicaba e Igreja São Benedito.

 

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Os relógios eram da mesma marca?

Da Igreja São Benedito era um relógio francês, no relógio da igreja de Rio das Pedras não tinha marca nenhuma. Fazer um relógio depende de conhecimento técnico que um engenheiro mecânico consegue ter e fabricar. Um relógio basicamente é composto por engrenagens, reduções.

 

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Franco passa a descrever as funções técnicas de cada peça do relógio da Catedral totalmente desmontado.

 

 

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A parte externa do relógio da Catedral, como o senhor acessou?

Quando foram trocados os vidros eu consegui retirar os ponteiros do relógio sem sair para o lado de fora da torre.

 

Qual é a medida do ponteiro?

O ponteiro de minutos tem quase 2 metros de comprimento. Os ponteiros são placas de ferro pintados com tinta industrial. A seguir Franco passa a mostrar as fotografias do relógio de Iracemápolis, na situação que ele encontrou quando foi chamado pelo padre. Desmontado, o relógio tem mais de 500 peças. A diferença entre mexer em um relógio grande e um relógio pequeno, é o tamanho. As engrenagens só mudam de tamanho, mas tem a mesma função no relógio de pulso, despertador, relógio de parede.

 

A temperatura no espaço em que fica o relógio da Catedral de Piracicaba é alta?

O espaço ocupado pelas quatro faces do relógio é de 4 metros em cada lado. No caso específico do relógio da Catedral de Santo Antonio, é bem espaçoso, a temperatura é normal. Existem locais em que o espaço é diminuto, fica difícil trabalhar. Ao fazer a restauração após desmontado o relógio, todas as peças passam por um processo rigoroso de limpeza, trocadas as buchas, as engrenagens podem serem envernizadas.

 

Qual geralmente é a postura do padre com relação ao seu trabalho?

Normalmente fico muito amigo dos padres das igrejas em que trabalhei e trabalho. Eles me dão muita liberdade para trabalhar, muitas vezes ia trabalhar à noite, ficava trabalhando até meia noite, uma hora da manhã. Tenho que permanecer no meu estabelecimento comercial e tenho o serviço externo. São duas coisas que tenho que manter. Uma das coisas que faço, é deixar o ambiente onde está o relógio, totalmente renovado. Não falo que vou pintar o chão, alguns acham desnecessário. Gosto de deixar tudo muito bem cuidado. Coloco até foto célula para ligar e desligar a lâmpada sozinha. É meu jeito de trabalhar, alguns acham que sou muito detalhista. O que está em jogo é o meu nome, ou faço bem feito ou não aceito o trabalho.

 

O senhor cuidou do relógio da Estação da Paulista por quanto tempo?

Fiquei responsável pelo relógio por 13 anos.

 

Há alguma diferença entre trabalhar com os padres e com a administração pública?

Não tive nenhum problema. No caso do relógio da Estação da Paulista, ele fica dentro de um armário, ele manda para cima os minutos, a divisão dos mesmos em horas é feita acima do forro da sala onde está o armário. Eu tinha uma chave para abrir aquele armário. Na realidade, eu tinha também a chave da sala onde ficava o armário. Estando o relógio em um armário, dentro de uma sala, como são acionados os ponteiros que para o público é o que importa: ver as horas! Do relógio sobe um eixo, no sentido vertical, que é conectado a outro eixo horizontal, que atravessa parte da sala e vai até parte da entrada principal da estação. Entra no mostrador do relógio.

 

É um bom relógio?

É de ótima qualidade! É nacional, feito em São Paulo, pela indústria que hoje recebe o nome de Álamo. A antiga fábrica Micheletti, passou por fusões e sucessões que resultou na Álamo.

 

 

O senhor já visitou alguma fábrica de relógios?

(Nesse instante o efusivo Antonio Andia Neto, pausa a fala, olha para o vazio e diz: “Nunca entrei em uma fábrica de relógios!”. São palavras de um relojoeiro que em décadas de trabalho com todos os tipos de relógio, dos mais diversos tamanhos. Fica evidente que o seu sonho é conhecer uma fábrica de relógio! O seu coração pulsa no ritmo dos tão amados relógios. Ele prossegue: “Fui para Londres, com a intenção de subir no Big Ben, eu desconhecia que as visitas têm que obedecer algumas regras: pré-agendamento, agendamento, coisa que eu não iria conseguir em três dias! Isso foi em 2010.

 

Mas pelo menos o senhor ouviu o famoso toque do relógio?

Fiquei embaixo do relógio, na parte externa do prédio. Eu tenho duas filhas que moram na Irlanda, em Dublin, já faz 15 anos que elas moram lá. Uma das minhas filhas, que é personal trainer, comentou com seus alunos sobre o meu trabalho. Quando um deles soube que eu era relojoeiro, deu-me de presente um livro sobre o relógio Big Ben, com fotos do mecanismo, tem inclusive a partitura do som que o relógio toca! É uma ária (peça musical). Os relógios carrilhões, principalmente os alemães, todos vem com uma música. Tem três igrejas, inclusive a São Marcos, que tem sinos com a variante dessa música.

Em Berna, capital da Suíça, fiquei esperando o relógio tocar o carrilhão, isso em um tempo frio danado que você nem imagina! Eu tinha vontade de subir e ver como o relógio funcionava! Na Suíça, fui em quatro lugares: Genebra, New Chateau, Biel e Berna. Em Genebra, passeando, um grupo de senhoras parou para conversar conosco. Quando souberam do meu interesse por ver relógios, disseram que havia uma exposição para comemorar os 250 anos da fábrica. Só que era segunda-feira, e é o dia em que fica fechada a exposição. Isso consolidou mais ainda o meu conceito de sempre programar antes, o que não tinha feito. Sempre falei, “Quando eu me aposentar vou me dedicar ao conhecimento desses relógios maravilhosos existentes em diversos lugares! ”.

Eu me aposentei em 2007 e ainda estou aqui!

 

E o relógio da Igreja Bom Jesus?

Lá não existe mais relógio mecânico. Trocaram por eletrônico. É um aparelho pequeno, você programa ele e faz as vezes do relógio. Várias igrejas estão substituindo seus relógios mecânicos por eletrônicos.

 

O trem da Companhia Paulista de Estradas de Ferro partia obedecendo o horário do relógio que está em seu frontispício?

O relógio da Estação era o nosso Big Ben! A Estação da Paulista era referência! Eu saio várias vezes ao dia de carro, passo pela Catedral, assim como passava na Estação da Paulista, sempre conferindo os relógios. Ontem por exemplo o relógio da Catedral estava com uma diferença de 40 segundos! Geralmente eu vou na hora cheia, pelas batidas do relógio eu dimensiono o horário. Eu gostaria de instalar uma câmera lá para ver de casa! O problema é que não tem internet lá em cima, se tivesse eu já teria colocado uma câmera.

 

Com relação às batidas do Relógio da Catedral, tem reclamações?

Tem. Diria que 99% dos moradores dos apartamentos próximos não reclamam! Existe uma Lei Municipal do Silêncio, onde estão incluídos os relógios, igrejas, shows, bares.

 

E como são as badaladas noturnas do relógio da Catedral?

Há uns três anos atrás, eu e um engenheiro elétrico, desenvolvemos um sistema. Ele fez a parte dele eu fiz a parte mecânica. Esse sistema permite que determine o horário em que deve parar as badaladas e em que hora deve reiniciar. Então hoje o relógio toca até às 9 horas da noite. Depois não irá tocar. Só reinicia às 6 horas da manhã. Acabou a reclamação. Os padres foram bastante compreensivos. Concordaram em impor o limite de horário. Há padres que são muito flexíveis, outros são muito rígidos, inclusive com relação à manutenção do relógio.

 

O senhor deve ter histórias interessantes!

Tenho! Uma vez um padre me ligou de Fortaleza de Minas, cidade situada em Minas Gerais, a empresa Votorantim Metais produz níquel por meio de minério sulfetado. Ele me perguntou: “O senhor cobra para fazer orçamento?”. Falei que cobrava. Fui para Minas. Eu lhe disse: “Eu não trabalho com relógio elétrico, só com relógio mecânico”. O motivo era que a maioria dos relógios elétricos era da empresa Dimas de Melo Pimenta – Dimep. Eles faziam o relógio, com as peças fabricadas por eles, e não eram vendidas no mercado. Tinham que ser adquiridas deles. Você dependia deles. Não era do meu feitio. Eu não gosto. Disse-lhe: “Padre, o senhor garante que o relógio é mecânico?”. Ele disse-me: “Pode vir aqui! Está parado, mas é de corda, o sacristão sobe para dar corda!” Disse-lhe então: “Vou pegar o meu filho e a minha mulher e vou passear aí, fica elas por elas”. Saí de Piracicaba às 5 horas da manhã e fui para lá. Após cinco horas de viagem, cheguei lá. O padre me atendeu, mostrou-me a igreja, eu disse-lhe: “Então vamos subir lá?”. O padre falou: “Acho melhor subir um só de cada vez, porque o prefeito achou melhor colocar mais um andar na torre para ficar mais alta e a estrutura não aguentou! E a estrutura está cedendo! ”. Cheguei lá, não tinha relógio, só tinha os ponteiros. Eu disse: “Mas padre! São 500 quilômetros para vir e mais 500 quilômetros para voltar! O senhor falou que tinha relógio!”. Ele ficou vermelho. Disse-me: “Eu tenho um antiquário aqui em Valparaiso, você não quer passar para ver uns relógios meus lá?” Continuou dizendo: “O bispo gosta muito de mim, troco tudo, fica tudo bonito!”. Ele nos serviu um almoço, fui com a minha esposa e meu filho até o antiquário.

 

Era um bom antiquário?

Chegando lá, encontrei batente, altar, janela. O padre era danado! Tinha de tudo: castiçal, máquina para fazer hóstia. Em Ubatuba, em uma igreja lá do fundo, olhei e vi o estado do relógio, pensei: “Vamos ver se esse padre quer reformar o relógio”. Subi, olhei, disse ao padre: “Se o senhor não tampar esse telhado não irá resolver! ”. Passei outra ocasião em frente, estava do mesmo jeito.

 

Qual outro local o senhor esteve?

Fui para Bom Jesus dos Perdões, Padre Antonio, ficava próximo a Nazareth Paulista, todos tinham relógios da mesma fábrica. O Padre Antonio era um padre sacudido, chegava lá em cima, escada parava, tinha que pular para outro lugar, ele pulava também! Ele queria que limpasse só o relógio, eu argumentei que era longe, o serviço em si era relativamente pequeno pela distância. Não cobrei nada dele, em compensação ele me ofereceu um almoço muito gostoso.

Em Aguas de São Pedro, tem uns relógios bonitos. Colocaram na entrada dois relógios, são elétricos.

 

Tem dois tipos de pessoas que gostam de relógios?

Sim, aquele que usa só para ver as horas, e aqueles que se interessam pelo movimento, recursos.

 

O que motiva a paixão da pessoa pelo chamado “relógio de marca”, ou de “grife”?

É uma questão de tradição, status, exibição de luxo.

 

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Os relógios do tipo carrilhão geralmente são muito bonitos. O carrilhão é o relógio que toca música! Franco aponta para um relógio, e diz: “Esse relógio toca a cada meia hora. Acredito que esse relógio deve ter uns 200 anos. A maior parte dos relógios, que estão aqui, é para consertar. Tenho tanto serviço que tenho que trabalhar mais do que o horário normal. A minha lista de espera é de 4 meses. Se digo que vai demorar 6 meses, a pessoa deixa para consertar. Às vezes falo: “Esse ano aqui não vou pegar mais serviço! ”. Deixam. Tem relógio aqui que já consertei em 1980. Após 40 anos voltou para manutenção. Tem uma pessoa muito boa que ligou dizendo: “Seu Andia! Meu relógio está parado, está chegando o Natal, não quero passar o Natal com o relógio parado! ”. Lá vai Seu Andia!

 

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Qual relógio que o senhor tem preferência?

Um dos relógios que eu gosto de consertar é o relógio cuco nacional. Sempre que você conserta ele fica bom! Tem um relógio que eu fui fazer um serviço, tinha uma etiqueta com a data do serviço que o meu tio Célio Franco tinha feito! É este relógio aqui. Está escrito “Oficina de Relojoaria Franco, Rua São José, 969, data: 01/04/1956” , foi o dia em que o meu tio consertou esse relógio! Eu fiquei com o meu tio aqui na loja até 1981, comecinho de 1982, quando eu comprei a loja dele. Quando peguei este relógio para consertar, pensei: “Já que o meu tio deixou a sua plaquinha de conserto, eu vou deixar a minha também”. Sou tão cheio de “nove horas” que o meu logotipo é “9 Horas”.

 

O que representa “9 Horas” para o senhor?

Eu consertava muitos despertadores, na hora de colocar os ponteiros no relógio, eu sempre colocava 9 horas! Não sei o porquê, se foi o meu tio que me ensinou colocar 9 horas.

 

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Nesse momento, o Sr. Andia convida-me para entrar no ambiente interno da relojoaria, e no meio de uma profusão imensa de relógios para consertar, peças, vai expondo o mundo em que vive imerso. Ali está um homem que respira relógios, peças, por diversas vezes algum relógio toca, ou algum cuco sai de sua casinha, como se estivesse nos saudando com seu canto. Por alguns instantes, Andia lembra o célebre Gepetto, em sua oficina. E bem lembrado.

 

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