A velha caverna da ignorância

Adelino Francisco de Oliveira

            

E o tema da verdade ainda é o mais relevante! Ao longo de sua história, a filosofia tem se esforçado, com seus proeminentes pensadores, em sua busca por compreender e interpretar a realidade, alcançando a verdade sobre o sentido da vida. Mas o que é a verdade? Desde Sócrates, passando por Jesus, essa tem sido a questão por excelência, o problema essencial a ser resolvido, o único tema que merece ser investigado ao longo da trajetória de uma vida inteira. Foi justamente essa a pergunta crucial de Pôncio Pilatos diante de Jesus: que é a verdade?

 A percepção da realidade a partir da caverna! Na Alegoria da Caverna, o filósofo Platão, em sua genialidade, propôs a representação de pessoas vivendo aprisionadas dentro de uma caverna, com imagens sendo projetadas em seu interior. Mesmo na caverna, as pessoas não se reconheciam aprisionadas e nem eram capazes de compreender que estavam tomando por realidade aquilo que não passava de meras sombras, imagens distorcidas e opacas, que desfilavam diante de seus olhos por meio de projeções. Para os habitantes da caverna, manipulados em um jogo ideológico de ilusões, a única verdade era o que lhes chegava por meio das parcas frestas de luz da caverna.

Rejeição e violência diante da verdade! A percepção distorcida dos fatos, mediante compreensões limitadas, reduzidas e fragmentadas do real, talvez seja uma das temáticas mais debatidas ao longo da tradição do pensamento no Ocidente. Estar preso em uma caverna leva, necessariamente, a concepções e leituras de mundo também fechadas, estreitas e equivocadas. E quando aparece alguém, como Sócrates e depois Jesus, apontando que a verdade se situa muito mais além e que é preciso um olhar aberto à complexidade, tomado pela generosidade e pelo senso crítico para apreender as nuanças da realidade, a reação imediata pode ser de rejeição e até de violência. Tanto Sócrates quanto Jesus foram silenciados e condenados à morte simplesmente por apresentarem o caminho para a verdade!

É difícil e até doloroso se desvencilhar das redes e amarras que nos prendem hoje em bolhas virtuais! É mesmo incrível essa alegoria da caverna proposta por Platão, quanta sabedoria para se identificar a constância de certos comportamentos sociais. A caverna se transmutou agora em rede social e mídia corporativa? É quase que um ciclo vicioso, que aprisiona, aliena e manipula, tudo para se manter a estabilidade de uma ordem social sedimentada na opressão e na exploração.

 A coragem da verdade! O pensador Agostinho de Hipona fez da busca pela verdade a razão maior de sua existência. Quando procurava a verdade, Santo Agostinho, com rara honestidade intelectual, transitou por diversos grupos e movimentos, sem se deixar prender por nenhuma caverna ou bolha. Ao se deparar com a Verdade, Santo Agostinho refez seu caminho, mudando de mentalidade e se convertendo radicalmente ao cristianismo.

A realidade é sempre mais complexa! A libertação passa pelo cultivo do pensamento crítico e problematizador, em uma postura de escuta e diálogo! A questão urgente é de como iremos, enquanto sociedade, sair dessa caverna escura, sombria e sem perspectivas que é o extremismo de direita neofascista. A exaltação à ignorância e o desprezo ao conhecimento são os sinais mais evidentes de que ainda estamos aprisionados, reclusos em nossas bolhas de relacionamentos, totalmente alheios à realidade. A sociedade ainda reproduz toda rejeição e violência contra Sócrates e Jesus, opondo-se à verdade!

____

Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba, Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião;

[email protected]

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima