Adelino Francisco de Oliveira
Não é nenhuma novidade afirmar que a sociedade está em crise, cindida pela proliferação de discursos e ações de ódio e violência, que não guardam nenhum compromisso com a produção de um mundo mais justo e solidário. O extremismo de direita, ancorado na ideologia neofascista e em um ultraliberalismo inconsequente, tem alcançado certo êxito em desconstruir a política, advogando pela destruição das bases civilizatórias. A negação da política serve apenas aos interesses mais rebaixados. Sem a política, no sentido mais forte do termo, sobra o desalento, a desesperança, a distopia social.
Para fazer frente à ascensão dos ultraliberais da extrema-direita, os demais partidos políticos, aqueles historicamente mais comprometidos com pautas democráticas, acabam sendo lançados a reproduzirem práticas políticas também rebaixadas, como o pragmatismo eleitoral e o clientelismo. A estrutura política viciada, que não possibilita nem o surgimento de novas lideranças nem o debate qualificado de projetos para a sociedade, é sustentada, por exemplo, pelo controle das emendas parlamentares, em uma espécie de oficialização do clientelismo em nível estratosférico. Uma liderança nova acaba não tendo condições de concorrer com aqueles que já detém mandatos, dominando tanto a estrutura partidária quanto a base eleitoral.
Diante de uma conjuntura política tão crítica, a Campanha da Fraternidade de 2024, articulada por setores mais avançados da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), vem apontar, com coragem profética, o caminho da amizade social e do amor político. É importante compreender bem esses dois conceitos chaves dessa Campanha Quaresmal, para que o debate não caia em um campo abstrato, sem nenhum impacto para a prática política vigente. Aliás, já há alguns políticos oportunistas escrevendo, com tamanha desfaçatez, sobre essa Campanha. O que significa e quais as implicações sociais dos termos amor político e amizade social? Qual a relação desses conceitos com o seguimento de Jesus e a experiência religiosa cristã?
O termo amor político remete ao resgate do sentido mais genuíno da palavra política, que significa, em linhas gerais, a arte de se organizar a sociedade tendo em vista o bem coletivo. Essa é a tarefa da política: produzir uma sociedade que seja boa, justa para todas as pessoas, garantindo a efetivação universal dos direitos de cidadania. O amor político rompe com a noção corrente da política enquanto prática do mero exercício de poder, reproduzindo uma lógica de opressão e dominação. O amor político resgata a política enquanto serviço ao próximo, planejando a sociedade de maneira a proteger e garantir as condições básicas para que a vida seja sempre plena de dignidade e direitos.
O amor político é alimentado pela amizade social, que pressupõe o cultivo do sentimento de empatia e da dimensão da alteridade. Rompendo com toda indiferença e egocentrismo, a amizade social consiste na capacidade de se colocar no lugar do outro, tornando-se sensível à sua situação específica e pronto para acolher e se solidarizar às suas necessidades. A amizade social coloca a dignidade da vida como valor ético imprescindível na dinâmica das relações mais cotidianas.
Na perspectiva da Campanha da Fraternidade 2024, na profundidade da mensagem do Movimento de Jesus, situa-se o amor político e a amizade social, conceitos fundamentais para a superação da grave crise civilizacional que estamos mergulhados.
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Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba, Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião