Fraternidade e amizade social

Adelino Francisco de Oliveira

 

Compondo uma já importante tradição no período da Quaresma, a Campanha da Fraternidade sempre procurou trazer questões e também respostas, à luz do Evangelho e da Tradição da Igreja, aos dramas enfrentados pela sociedade. Identificando os pontos centrais que definem o delicado momento social e político no contemporâneo, a Campanha da Fraternidade de 2024 traz o tema da amizade social, tendo como lema o trecho da Boa Nova da Comunidade de Mateus “Vós sóis todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8).

Interessante que o Evangelho de Mateus reflete sobre um momento de crise da comunidade cristã, inserida em um contexto de disputa e perseguição promovida pelo judaísmo formativo. Expulsos das sinagogas e rejeitados pelos judeus, os cristãos foram compelidos a assumirem a radicalidade da mensagem de Jesus, afirmando sua identidade de cristãos. A comunidade de Mateus, em uma postura de abertura, passa a aceitar a conversão de todas as pessoas, inclusive de não-judeus, ensinando que todos são irmãos e irmãs, independentemente de origem étnica, social ou mesmo cultural.

A sociedade em geral e o cristianismo em particular também hoje enfrentam uma grave crise, demarcada pela disseminação de discursos e ações de ódio e intolerância. O racismo, a homofobia, a misoginia, a aporofobia, a xenofobia são expressões de uma cultura neofascista, que tem ganhado cada vez mais espaço. A Campanha da Fraternidade faz a denúncia dessa cultura do ódio e da violência, disseminada pelo extremismo de direita. A economia neoliberal, ao aprofundar as injustiças sociais e ambientais, também se contrapõe ao projeto de fraternidade que brota do movimento de Jesus.

A afirmação da Campanha da Fraternidade é contundente: o caminho do cristianismo aponta para relações sedimentadas no princípio ético da amizade social, que é base para uma sociedade justa, igualitária e profundamente fraterna, suplantando todas as formas de preconceito, discriminação e exclusão. O conceito de amizade social guarda um significado muito profundo na longa tradição do pensamento ocidental, passando desde a filosofia antiga, com Sócrates, Platão e Aristóteles, até a filosofia escolástica, com Santo Tomás de Aquino, e culminando na Encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco.

A Campanha da Fraternidade argumenta que a amizade social deve ser cultivada como um valor imprescindível, orientando todas as relações, de maneira a produzir uma sociedade atenta ao princípio da alteridade, capaz de acolher e se abrir às diferenças e pluralidades que caracterizam a humanidade. A amizade social dinamiza a prática do amor político, que tem no diálogo a base para a superação de conflitos e divergências. O amor político, rompendo com a perspectiva do poder como instrumento de dominação e opressão, desvela-se na política como serviço, comprometida com a produção do bem comum. A amizade social e o amor político apontam para o projeto de uma sociedade ancorada na fraternidade e não na competição, tendo o reconhecimento da dignidade humana como referência fundamental.

O fato é que a sociedade está em crise! A resposta que a Igreja apresenta, por meio da Campanha da Fraternidade, é o caminho da amizade social, reconstruindo os laços de fraternidade entre as pessoas e também com a natureza. A amizade social não deixa de ser uma profética convocação para que as relações sejam reinventadas a partir do afeto, do cuidado, da amizade. A amizade social, por meio do exercício do amor político, inaugura o tempo da justiça e fraternidade, tendo o direito à vida como valor universal e absoluto.

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Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba, Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião;

[email protected]

 

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