Rivalidades produtivas

Douglas Alberto Ferraz de Campos Filho

Vista de perto, a ciência pode ser quase tão competitiva, cheia de rixas e picuinhas quanto um concurso de beleza. “As pessoas geralmente imaginam que os cientistas têm um grau de santidade quase inalcançável”, já disse o físico vencedor do Prêmio Nobel Leon Lederman. “A coisa não funciona bem assim. A competição existe em todos os níveis: o internacional, o nacional, o institucional e, finalmente, com o cara do outro lado da sala.”

Duvida? Então examine os episódios em que a ciência foi usada como arma de guerra e instrumento de propaganda. Na corrida para desenvolver a bomba atômica, na Segunda Guerra, os Estados Unidos gastaram bilhões de dólares e empregaram quase 130 mil cientistas no projeto Manhattan. Mas o chefe do projeto, Robert Oppenheimer, foi falsamente denunciado como espião comunista pelo ex-companheiro Edward Teller, e só continuou no mundo científico graças à intervenção de Albert Einstein.

No calor da Guerra Fria, o biólogo predileto de Josef Stalin abdicou da lógica para espinafrar a ciência do Ocidente. “Tudo isso de DNA, DNA…”, disse Trofim Lysenko. “Todo mundo fala, mas ninguém nunca viu!”

Disputas como essas e as próximas não raro são o motor do progresso e da tecnologia. E o conflito é parte constante do diálogo entre pesquisadores. “Na ciência, você não precisa ser gentil. Precisa apenas estar certo”, afirmou o ex-primeiro-ministro inglês Winston Churchill. Os cientistas podem se tornar tão passionais “quanto um fanático político ou poeta”, diz White. Quando isso acontece, é melhor correr do laboratório.

Um soco no estômago. Foi o que despertou a obsessão por conhecimento do garoto inglês que viria a se tornar um dos maiores gênios científicos da história. O rapaz de 13 anos prometeu ao valentão que o agrediu: “Não descansarei até ser o melhor aluno da escola”. Em compensação pelo sangue perdido pelo nariz, quis humilhá-lo naquilo em que sabia ser superior: o intelecto. Em um ano, Isaac Newton cumpriu a promessa. Em dez, revolucionaria a ciência.

Só que a fama não sossegou seu espírito de rivalidade. Mesmo quando aparentava ser modesto, como na frase “Se enxerguei mais longe, é por estar de pé sobre os ombros de gigantes”, destilava ironia. Seu alvo de escárnio era o cientista Robert Hooke, um anão.

O descobridor da gravidade usava seu poder para esmagar inimigos. O principal, o alemão Gottfried Leibniz, elaborou um método alternativo para o cálculo, uma das mais relevantes invenções do rival. “Eles publicaram suas obras sobre cálculo na década de 1670. Mas Newton concluiu: Ah, sou o primeiro mesmo! Pensei antes”, diz o físico e historiador Steven Goldman, da Lehig University (EUA).

A ferramenta, essencial na engenharia, permite calcular volumes com exatidão e, por exemplo, projetar estruturas 3D a partir de formas planas. Newton ficou tão transtornado que instaurou um tribunal na Royal Society de Londres e realizou um julgamento fajuto para definir o alemão como plagiador. Não contente, passou o resto da vida manchando a reputação do colega. E sabe qual a notação de cálculo que os engenheiros usam hoje? A de Leibniz.

Ao químico Antoine-Laurent de Lavoisier, a quem é atribuído o nascimento da “química moderna” e que, curiosamente, foi guilhotinado na sequência da Revolução Francesa, por vender tabaco adulterado, não poderia adivinhar que, quase três séculos depois, as suas descobertas manteriam tamanha actualidade: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”

Casa de Antoine Lavoisier, Paris, 1775. O cientista inglês Joseph Priestley conta, empolgado, as descobertas que havia feito sobre o “ar deflogistado”. Do outro lado da mesa de jantar, o homem que concebeu a química como hoje a entendemos presta muita atenção no francês sofrível do convidado. Ele sabia o valor dos dados experimentais escondidos sob os conceitos estranhos de Priestley. Na manhã seguinte, Lavoisier vai direto para seu sofisticado laboratório na mansão cedida pelo rei Luís XVI.

Ele repetiu os processos descritos pelo inglês e chegou ao mesmo resultado: obteve um gás capaz de alimentar a chama de velas e manter roedores vivos. Aposentou o conceito de flogisto (uma espécie de fluido existente em todos os objetos que seria responsável pelo fogo) defendido por Priestley e chamou sua descoberta de… oxigênio. E, assim, incendiou os ânimos britânicos.

“Lavoisier nunca descobriu o oxigênio até que Priestley o descobrisse para ele!”, afirmou lorde Brougham, entre outros críticos. “O filósofo da ciência Thomas Kuhn dizia que, na verdade, Lavoisier não descobriu o oxigênio, pois faltou um aspecto importante do achado científico no experimento: a revelação de que o oxigênio estava oculto no mundo, à espera de ser encontrado”, diz Steven Goldman.

“É por parte de avô ou avó que você descende do macaco?”, disse o bispo Samuel Wilberforce após um inflamado discurso contra a teoria da evolução no museu da Universidade de Oxford, onde mais de mil pessoas assistiam ao debate. Mas quem respondeu à pergunta naquele 30 de junho de 1860 não foi o pai da teoria. “Eu gostaria tanto de estar morto quanto de responder ao bispo numa assembleia”, afirmou Charles Darwin. Mas até um gentleman como ele, que concedeu a coautoria de sua tese a Alfred Wallace ao saber que o colega havia pensado numa versão alternativa da teoria, tinha seus desafetos. Darwin não engolia o naturalista e professor do Real Colégio de Cirurgiões Richard Owen.

Também pudera: Wilberforce era só um títere nas mãos de Owen, rival persistente que usou sua influência para impedir que Darwin recebesse o título de “sir”. A defesa do evolucionismo no debate de Oxford coube ao chamado buldogue de Darwin, tão fiel que era ao amigo. “O que eu preferiria como avô? Um homem altamente dotado pela natureza, mas que utiliza suas faculdades com o mero propósito de introduzir o ridículo numa discussão científica, ou um miserável macaco? Sem hesitar, escolho o macaco”, disse Thomas Huxley ao bispo.

O tom duro de discussões como essa teve efeito positivo ao despertar o interesse público pela ciência. A teoria da evolução, apesar de sofrer preconceito por contrariar preceitos religiosos, é um exemplo típico de como a disputa pode favorecer o conhecimento. Huxley usava a polêmica para difundir a tese em conferências para trabalhadores. “Eles me seguem maravilhosamente. Na próxima sexta-feira todos estarão convencidos de que são macacos”, escreveu.

O bispo, conhecido como Sam Ensaboado, a atacou Darwin até o fim da vida. Só que acabou caindo do cavalo — literalmente. Enquanto exibia suas habilidades para o presidente da Câmara dos Lordes, levou um tombo, rachou o crânio numa pedra e morreu. Huxley não perdoou. “Por uma única vez, a realidade e seu cérebro entraram em contato. E o resultado foi fatal”, afirmou em carta a John Tyndall, em 1873….. só para finalizar a Resposta de Huxley ao bispo de Wilberforce ( Prefiro descer de um macaco Evoluído do que de um Adão degenerado) … separou a Ciência das convicções Religiosas.

 

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Douglas Alberto Ferraz de Campos Filho, médico

 

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