Ele chegou lá…

Ari Junior

 

O filme “Mussum, o Filmis” arrecadou no primeiro final de semana de sua exibição, dois milhões de reais, uma marca expressiva para um filme nacional. Pelo visto, além de ser o vencedor do Festival de Gramado do ano passado, tudo conspira para que seja o filme brasileiro mais assistido em 2023. O elenco está afinado, o protagonista não apenas ‘imita’ Mussum, com seus cacoetes, mas realmente incorpora o personagem, deixando aquela impressão de que realmente saiu de cena o Ailton Graça e entrou no set de filmagem nosso saudoso e querido Antonio Carlos.

Algo marcante e que foi citado por vários críticos é o cuidado do diretor e sua equipe em escolher os melhores esquetes, quando retratam sua passagem no programa “Os Trapalhões”, de forma que as mesmas não rebaixassem nem ridicularizassem demais o protagonista, minimizando assim aquele estereótipo dos anos 1980 do preto vagabundo e cachaceiro, que queria sempre levar a melhor às custas dos outros. Suponho que tenham tido dificuldades nessa seleção, afinal, para quem viu o programa na TV, sabe que este era o mote criado para o personagem, e era sim esse retrato escrachado e humilhante que criou o personagem e fez com que a sociedade brasileira da época risse.

O argumento de que isso era assim mesmo na época é válido, pois, é fato. As piadas terem essa conotação eram propositais, e além do preto vagabundo e beberrão, havia o delicado, beirando a homossexualidade, e com isso, retratado como frágil e até mesmo infantilizado, o nordestino esperto que quer passar a perna ‘no pessoal do Sul’ em todas as situações, e o contra tipo deste, o Don Juan carioca, esperto, que não era ludibriado por ninguém e sempre se dava bem, até que chegasse o nordestino, para que este sim ganhasse a parada, e a ‘justiça’ fosse feita contra o mais oprimido. É fato também o que dizem, que um programa desse foi temporal, e que jamais conseguiria ser reproduzido nos dias atuais, sob pena de ser ‘cancelado’ tanto pela opinião pública como pelas leis vigentes.

E ainda bem que é assim. Mesmo sendo oriundo dessa geração, creio firmemente que estamos aqui para evoluir, e se incomodar com esse tipo de chacota, mesmo que um dia isso tenha sido o lugar comum, se indignar com isso é saudável para o crescimento do ser humano como comunidade. Não concordo com os que dizem que, para esses casos, isso seja mimimi, ainda que, quando ocorre com minha pessoa, por vir desse momento, não me afete tanto quanto afeta os mais jovens, é importante que isso seja colocado num prisma negativo sim, e que o constrangimento maior seja de quem usa desse expediente humilhante, do que quem é atingido por ele.

Mas meu destaque nessa história é ver isso do ângulo positivo. Mussum saiu duma favela carioca, filho de mãe analfabeta, com perspectivas baixíssimas de ‘vencer na vida’, pela cor da pele e pela base familiar que tinha. Mas, se preparou para ter um futuro melhor, se destacou sempre por onde passou, a ponto de ser impossível não o notar, mesmo entre tantos outros também preparados. E por ser assim, as oportunidades foram surgindo, e ele, sempre as aproveitando. Venceu ao ponto de chegar a ser artista de televisão na maior emissora do Brasil. Se o papel era caricato e com pitadas racistas, ele ainda assim chegou, ele ainda assim venceu. E é isso que temos de ter conosco. O caminho raramente será florido. O importante é se preparar e se destacar de tal forma que seja impossível não ser notado, e assim a oportunidade aparecerá, para que possamos ser tudo o que queremos, independente de nossa cor de pele ou do sistema vigente.

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Ari Junior, escritor, comprador.

 

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