Flores e dores de amores

Cecílio Elias Netto

 

Por fim, lá se foi dezembro. Que bom! Pelo menos, para alguns de nós, que nos sentimos amargamente derrotados nesse dito mês festivo. Pois, reconheço ser verdadeira a estrofe da velha e doída canção: “a saudade mata a gente, a saudade é dor pungente”. Acontece-me, então, questionar-me quanto à longevidade: bênção ou penitência, graça ou castigo? Pois dezembro faz reavivar as perdas, imensas perdas ao longo da vida. E a saudade aumenta. E machuca. Mais do que Finados, Natal faz-me doer o coração.

Se a vida é bênção, viver cobra seus custos. E as ausências são, certamente, o mais amargo deles. Quase ao fim da jornada, compreende-se que – apesar das belezas, dos bens que se nos revelam – viver é, também, perder. E o inevitável, quase paradoxal: quanto mais se ganha, mais se perde. Entender e aceitar, pois, nossos limites, a finitude humana – eis o desafio para se alcançar a sabedoria. Mas esta, o que seria?

Cada vez mais insistentemente, entendo ser uma das mais difíceis e desafiadoras a arte de viver. Vale a pena. Mas, em sendo arte, há-se que ser artista. Logo, um fingidor. Qual o poeta de Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor… Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.” Fingir que não sofre, que está tudo bem. Fingir que ama, fingir que não odeia. Que está em paz. Que não tem saudade. E – o mais falso de tudo – fingir que está, que é feliz. E o que é ser, estar feliz?

Ora, a felicidade! Dela, falamos com a naturalidade com que respiramos. Queremo-la, desejamo-la para nós e para outros. E, no entanto, se a compreendêssemos em seu verdadeiro significado, saberíamos o impossível de obtê-la. Pelo menos, em vida. Pois, desde Kant, já se entende que, para ser feliz, o ser humano precisaria que tudo lhe acontecesse conforme seus desejo e vontade. Estes, porém, são insaciáveis. E de tal forma que, mesmo obtendo o que desejou, o ser humano vai em busca de mais. Há um vazio que parece impreenchível.

A vida, pois, é o grande mistério. Talvez, até mesmo um segredo inteiramente protegido por quem a criou. Logo, deveríamos – os que a temos – saboreá-la a cada instante, em vez de tentar decifrá-la. Ou, apenas, entendê-la. Pois, é tanta e tamanha a luta para apenas sobreviver que – pelo menos, os humanos – esquecemos de vivê-la. E viver nada mais é do que saber-se parte da natureza, partícula do universo. E, por isso, estar no ritmo: amanhecer quando amanhece, entardecer quando entardece, anoitecer à chegada da noite.

Há milênios, advertiram-nos: é preciso ter olhos de ver e ouvidos de ouvir para participar da sinfonia do cotidiano. Sempre houve, há música no ar. Uma orquestra cujos maestros são a brisa, o vento, também os temporais. Os cicios das borboletas beijocando flores; o balbucio das folhagens ao bailado dos ventos; a mornidão afável de árvores sombreadas; garoas idílicas despertando sonhos… A cada dia, o inimitável espetáculo da vida.

Ao fim de um e ao início de outro ano, dúvidas intensas tentam aguilhoar-me a alma. Provocam. E os sentimentos e a imaginação de tal forma se confluem que perco a noção do que sinto ou do que imagino. Passada, porém, a instigação, a realidade aparece toda nua e crua. Ora, acabou dezembro; Natal se foi; revéillon sumiu com o espocar os rojões. Tudo continua como era antes.

O ser humano, todavia, conhece a magia, a arte de viver. Delas, sobrevive. Entre dores de amores, recebi, no Natal, flores para o jardim. Em 2024, continuarei a ser aprendiz de jardineiro. Talvez, algum dia, venha a aprender.

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Cecílio Elias Netto, escritor, jornalista, decano da imprensa piracicabana

 

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