Realidade abstrata

Eloah Margoni

 

Chegou-me às mãos recentemente material escrito, o qual com certeza será ou já foi remetido, pela falta de nexo do mesmo, às lixeiras mentais e dos computadores. No entanto temos, na vanguarda desta cidade, enfrentado tantos problemas ambientais entre outros, que precisamos respirar um pouco.

Seguindo a intuição e a título de relaxamento lúdico, pedi a um especialista em inteligência artificial que esta, a Inteligência, transformasse o texto recebido em desenho ou gravura.

Desenhou a dita IA, representando o escrito e para nossa surpresa, um avestruz de bigodes com chapéu mexicano. Na enorme aba deste equilibravam-se latinhas de refrigerantes, dois esquilos, pedaços de frango frito, caixas de som e muitas de calmantes, um pé de meia suja com furos nos dedos, meio queijo gorgonzola, binóculos invertidos, um urso polar anão, rolos de papéis higiênicos, cotonetes estranhos e vários óculos escuros muito bregas, de camelôs. O avestruz tinha, nas asas, tantas perigosas lagartas urticantes que caiam ao chão, mas ele também derrapava assustado e com velocidade num monte de maionese do piso, em direção à parede com a qual, imagino, deva se chocar.

Jamais entenderei a síntese feita pela IA! Como traduziu e interpretou em figura tragicômica com cores aversivas, aquelas frases da mensagem vazada? Leiam as tais frases: “Nunca mais eu voto para um pedido se quer (e não a palavra sequer) da vereadora fulana de tal para realização de audiência pública”… “Já é a segunda vez que ela convoca um showmício de esquerdistas…”. “e traz seus Reuters assassinos de reputação alheia” (Menos! havia tão boas reputações assim a serem assassinadas?)… “sem a mínima ombridade” (ombridade é quando as pessoas brigam dando ombradas umas nas outras; hombridade é outra coisa)… Continua: “e pior, com esse papo de doido varrido de mudanças climáticas e agenda global de defesa do meio ambiente”… “saiam de Nárnia pelo amor de Deus e voltem para a realidade.” Isso tudo falando dos ambientalistas e protetores do patrimônio cultural e histórico de Piracicaba.

E por aí seguiu, citando até Alice no País das Maravilhas. Foi quando Lewis Carrol revirou-se, nauseado, no túmulo. O texto continuou agressivo. Atacou-nos com “birutas”, “ecochatos que fomentam uma PISCÍCOSE ambiental”. Dessa feita foi a vez de Alfred Hitchcock e Freud baixarem em sessões espíritas solicitando direitos de respostas e danos morais.

Querem saber? A IA foi bem generosa, conclui. Tivesse desenhado órgãos internos do avestruz, seria assim: rins no tórax, fígado nas costas, coração faltando, estômago na pelve, pulmões enfisematosos nas pontas dos dedos. Em lugar do cérebro… sabe-se lá o que colocaria no lugar do mesmo! Talvez litros de fel misturados com as mais bizarras e não recomendáveis coisas nenhumas.

 

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Eloah Margoni, médica

 

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