Boyes: os encantadores de serpentes e o senso comum

José Aparecido Borghesi

José Machado

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Na audiência pública ocorrida na Câmara de Vereadores de Piracicaba no último dia 22 de novembro, para debater o projeto Boulevard Boyes, os seus autores suaram a camisa para justifica-lo. Não se poderia esperar outra coisa deles, afinal de contas, foram contratados para isso.

Qual encantadores de serpentes, esses autores vêm lançando mão de argumentos carregados de mistificação, na perspectiva de hipnotizar as plateias menos avisadas e delas ganhar apoio, tal como se sucedeu no âmbito do CODEPAC, aliás, convenhamos, uma história que necessita ser cabalmente esclarecida.

Procuram maliciosa e insidiosamente tentar nos convencer de que o projeto é moderno, a verticalização (4 torres residenciais de 92 metros!) que propõe não é excessiva e tampouco inapropriada, harmoniza-se à paisagem e se alinha com perfeição aos principais eixos e equipamentos da orla do Rio Piracicaba, notadamente à Ponte Pênsil e ao Engenho Central.

Afirmam, sem ruborizarem, que o projeto gerará milhares de empregos permanentes, deixando-nos sem explicação sobre como chegaram a essa conclusão. Acreditam que com esse argumento bombástico e falacioso ganharão corações e mentes, sobretudo daqueles que clamam e labutam por empregos e salários dignos para os trabalhadores. É fato que as obras de construção das torres residenciais e as outras obras civis previstas de restauração gerarão, enquanto perdurarem, empregos de engenheiros, pedreiros, pintores, eletricistas, etc., mas e depois, quando o canteiro de obras for desmontado?

É verdade que o projeto não se resume às 4 torres residenciais. Nas estruturas restauradas da antiga fábrica de tecidos, ele prevê a criação de quiosques/cubos para uso da comunidade local de artistas, artesãos, pequenos empresários e produtores agrícolas piracicabanos, para divulgação e venda de seus produtos e serviços! Os visitantes/consumidores de todas as classes sociais terão acesso democraticamente a esses espaços e, além de usufruírem da paisagem encantadora da orla do rio, poderão se deslumbrar com um verdadeiro centro de cultura, memória e lazer! Mas a pergunta que não quer calar é: quantos empregos diretos permanentes esse arranjo, nos empurrado como museu, gerará? Com muita boa vontade, uns 50 empregos. Que se prove o contrário!

O fato é que o projeto Boulevard Boyes, no seu conjunto, além de agressivo, é pobre e vem nos sendo vendido com uma narrativa de modernidade que deixaria Luiz de Queiroz frustrado, senão envergonhado. Pobre e agressivo porque propõe o erguimento de torres residenciais absurdas, as quais, ao contrário do que sustentam seus autores, vilipendiam uma paisagem tão rica em significação histórica, cultural e ambiental. Igualmente pobre porque frustra no afã de atrair a curiosidade e o desfrute de visitantes ávidos por conhecer a magnífica história da fábrica de tecidos. Impõe-se um projeto alternativo, que agregue valor à orla do Rio Piracicaba e não a enfeie, descaracterize e empobreça.

A Fábrica de Tecidos Santa Francisca (depois Arethusina e depois Boyes), fundada por Luiz de Queiroz em 1874, é um ícone da industrialização tardia brasileira porque nasce justamente quando se esgota a Primeira Revolução Industrial e se dá a transição do trabalho escravo para o trabalho livre. Um projeto inteligente não negligenciaria desse fato e conceberia, como âncora de um projeto multiuso, um museu moderno de verdade, capaz de ilustrar, contextualizando historica e cientificamente, o que era a fábrica de tecidos, quem sabe até mesmo com a presença de um tear original funcionando e fabricando pano e, se essa alternativa for inviável, a tecnologia digital aí está para substituí-la a contento. Esse museu dialogaria, pela proximidade física e pelo contexto histórico, com um eventual futuro Museu da Cana no Engenho Central, que foi fundado poucos anos depois (1882) pelo Barão de Rezende. Seria uma sinergia fantástica!

Numa concepção multiuso do arranjo, o Museu Boyes seria a âncora, mas não a única atração, por óbvio. Por que não incorporar ao arranjo um Planetário? Um Planetário tecnicamente moderno e contemporâneo na mensagem, eis que poderia abordar também os imensos desafios trazidos pelas mudanças climáticas e que ameaçam a espécie humana. Um projeto desses seria extremamente educativo e atraente ao grande público.

Outras atrações poderiam ser aduzidas, mas isso fica por conta da imaginação coletiva, que o debate pode trazer. Não me sai, por exemplo, da cabeça aquela roda gigante que margeia o Rio Tâmisa, em Londres. Todas as atrações não seriam gratuitas ao público, pois há que se cuidar da manutenção e da garantia da qualidade dos espaços e equipamentos envolvidos, cujos custos têm que ser cobertos. O acesso democrático das camadas populares seria subsidiado pelo poder público em sessões especiais, a exemplo do que ocorre com outros equipamentos públicos como o Teatro Municipal.

Por fim, há que se reservar espaço para as atividades de comércio, serviços, artesanato, etc. Uma praça de alimentação, por exemplo, seria imprescindível.

O arranjo final cabe aos especialistas. Ele é viável? Haveria interesse do capital privado num projeto alternativo com essas características? Não sabemos, mas não convém uma postura negativista sem ir a campo e batalhar por empreendedores que estão apostando suas fichas num futuro que reivindica passagem e que exige uma cidade diversa, humana, sustentável e criativa.

Os autores do projeto Boulevard Boyes querem fazer crer ao senso comum de que é melhor qualquer coisa, por mais ruinoso que seja, do que deixar o imóvel abandonado tal como está. Devemos responder categoricamente: nem uma coisa e nem outra! Exigimos um projeto de qualidade, à altura dos interesses superiores do povo de Piracicaba!

Sim, podem nos ter como caipiras, mas não somos tolos e ingênuos.

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José Aparecido Borghesi e José Machado foram prefeitos de Piracicaba

 

 

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