Se pudéssemos ouvir

José Renato Nalini

 

Pudéssemos ouvir o pranto das árvores quando são mutiladas pelas motosserras, com certeza nosso coração não continuaria empedernido, inerte e insensível.

O Brasil precisa de um bilhão de árvores, para repor aquelas ceifadas pela insensatez do bicho-homem. É doloroso e ao mesmo tempo incrível que um ser a quem foi dado permanecer na Terra por algumas décadas – quantos são os que conseguem ultrapassar os 100 anos? E com que qualidade de vida se atinge essa idade? – não se compadeça ao destruir espécies nativas com mais de mil anos.

O Brasil era um paraíso quando os portugueses aqui chegaram. Tanto que propalaram que haviam redescoberto o “Jardim do Eden”. E o que se fez neste meio milênio? Devastou-se a Mata Atlântica e agora extermina-se a Amazônia, de cujos serviços ecossistêmicos o mundo necessita cada vez mais e se continua a eliminar outros biomas.

Em vez de ensinar a decorar informações que não terão utilidade na vida prática, as escolas deveriam formar seres humanos amigos da natureza. Que soubessem distinguir o que é um jacarandá, um ipê, louro, manacá, guabiroba, aroeira, pau-brasil, oiti, cambucá, cedro, jaborandi, chuva de ouro, castanheira, ariri, sucupira, paricá, sibipiruna, jueirana-facão, jambre, araçá, jequitibá, paineira, quaresmeira, jatobá mogno, gerivá, dendê, pau-ferro, além de cultivar orquídeas, esta maravilha da natureza de que o Brasil é tão rico.

Ensinar as novas gerações que floresta em pé é muito mais valiosa e lucrativa do que lenha, do que carvão, do que soja, milho ou pecuária. É preciso mostrar ao mundo que o Brasil pode sobreviver como potência e assegurar futuro saudável para seus filhos, se praticar a bioeconomia. Examine-se o sucesso do açaí, a castanha do baru, a castanha do pará. Há frutas que só o Brasil possui, como pitanga e jabuticaba. Torná-las alvo de consumo de todo o planeta pode alimentar milhares de brasileiros, hoje vítimas do desmatamento, dos incêndios, das ocupações grileiras, do genocídio indígena e de tudo o mais que a criminalidade organizada pratica e deixa como rastro miséria e tragédia.

Treinemos os nossos ouvidos para que ouçam as árvores a chorar. Talvez nos tornemos mais humanos e tenhamos condição de permitir que as novas gerações venham a surgir e tenham vida digna, assim como a que tivemos.

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José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras

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