Adelino Francisco de Oliveira
O que é mesmo um patrimônio histórico? Para que e para quem ele serve? O que um prédio em ruinas tem a dizer sobre a identidade de uma cidade? É importante para quem e com que objetivo preservar os monumentos que remetem à história de Piracicaba? Não seria melhor e mais útil para a cidade se seus prédios mais antigos e emblemáticos fossem reformados para se tornarem espaços de consumo, como shoppings centers ou mesmo supermercados com nomes diferentes como Oxxo? Em poucas palavras, o que a população e a cidade em geral ganham com a preservação e conservação dos lugares que demarcam a sua história?
Ninguém viaja a um determinado país ou mesmo localidade para ver aquilo que pode ser encontrado em qualquer paisagem. Em Portugal, na capital histórica de Lisboa, a Torre de Belém e o Mosteiro dos Jerônimos, por exemplo, são monumentos únicos, impactantes, que guardam vestígios da longa história daquele país e da própria cultura ocidental. Já imaginou se os italianos, em algum momento, tivessem decidido, em nome de uma visão equivocada de progresso e desenvolvimento, derrubar as ruinas do Coliseu, vestígios da Antiguidade, para transformar em torres residenciais de alto valor comercial?
Toda cidade é resultado de uma longa história, que é registrada e preservada em monumentos, documentos e tradições, a guardarem essa preciosa memória. A conservação da memória é função de todos os cidadãos, mas especialmente é responsabilidade do poder público. Preservar os vestígios da história e ter memória contribuem de uma maneira muito evidente para a afirmação da cidadania e para o fortalecimento do sentimento de orgulho e pertencimento a uma determinada localidade. Além disso, a preservação de monumentos históricos e culturais é hoje considerada um valor incomensurável, inclusive com potencial para o fomento de negócios relacionados ao turismo.
Os prédios que compõe a antiga fábrica têxtil da Boyes são autênticos monumentos da história viva da cidade de Piracicaba. A fábrica da Boyes e as construções do Engenho Central, formam um conjunto arquitetônico, que remonta ao século XIX. Já imaginou o que seria da dinâmica cultural de Piracicaba se o prefeito José Machado, em seu primeiro mandato, em 1989, não tivesse tido a visão de futuro e assinado o decreto de tombamento do complexo que compõe o Engenho Central? Graças ao compromisso do prefeito José Machado, em preservar os lugares históricos da cidade, que Piracicaba hoje pode contar com o emblemático e impactante monumento, símbolo de sua história: o Engenho Central, um admirável conjunto arquitetônico construído em 1881, pelo Barão de Rezende, ainda sob a regência de Dom Pedro II.
A antiga fábrica da Boyes situa-se hoje como um lugar de relevante memória, com referências fundamentais da história da cidade de Piracicaba. É o registro, preservação e conservação dessa memória que agora se colocam em risco, com o projeto de construção de torres residenciais, que irão, inevitavelmente, destruir esse patrimônio histórico e cultural da cidade. É preciso, é urgente que se desencadeie um amplo movimento de cidadania, reivindicando em Piracicaba o direito à memória histórica e cultural, o direito à paisagem, o direito à preservação ambiental, defendendo os monumentos, os documentos e as tradições que demarcam a identidade singular da Noiva da Colina. É imperioso salvaguardar nossa identidade, o sentimento de pertencimento, o espaço de nossa formação. Precisamos entender que os lugares da cidade compõem a ampla memória coletiva.
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Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba; Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; [email protected]