CPI do Caso Jamilly – UPA Vila Cristina atendeu 582 casos de picadas de escorpião em um ano

Representantes do órgão prestaram depoimento, nesta quarta-feira (18), à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) formada na Câmara Municipal de Piracicaba. CRÉDITO: Guilherme Leite

 

 

Gestores das UPAs gerenciadas por OSS participaram de reunião na vigilância municipal sobre atendimento a picada de escorpião exatamente um mês antes do caso Jamilly

 

 

O caso da menina Jamilly Vitória Duarte, de 5 anos, não foi o único a ser atendido na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) da Vila Cristina. De acordo com o Centro de Vigilância em Saúde (Cevisa), de setembro de 2022 a setembro de 2023, passaram 582 registros de acidentes com escorpião somente naquela unidade, entre leves, moderados e graves. Representantes do órgão prestaram depoimento, nesta quarta-feira (18), à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) formada na Câmara Municipal de Piracicaba para apurar a morte da menina e que passou por atendimento na unidade no dia 11 de agosto. Também foi ouvida a enfermeira responsável pela triagem da paciente na UPA.

Os números foram apresentados pela coordenadora do Cevisa, Karina Corrêa Contiero, e pela enfermeira responsável pela Vigilância Epidemiológica Municipal, Fernanda Lopes Menini, que participaram da CPI acompanhadas pelo procurador-geral do município, Guilherme Mônaco de Mello. De acordo com as profissionais, foram 247 casos registrados de setembro a dezembro de 2022 e 335 de janeiro a setembro de 2023 na unidade.

Elas salientaram que os responsáveis pelas UPAs administradas pela OSS (Organização Social de Saúde) Mahatma Gandhi, entre elas a da Vila Cristina, participaram de uma reunião em que foram apresentados os protocolos para casos de escorpionismo no dia 11 de julho, exatamente um mês antes de Jamilly dar entrada na unidade. A OSS passou a gerenciar a UPA no dia 1º de julho.

As representantes da Vigilância Municipal disseram ter apresentado aos gestores, na reunião, o plano regional para atendimento dos casos e também um checklist que norteia o profissional de saúde sobre como avaliar o paciente, os sintomas, classificação de risco e até mesmo a quantidade de ampolas do soro antiescorpiônico a ser aplicada, com um alerta para a gravidade dos casos em crianças de até 10 anos.

Elas disseram que as unidades recebem esses informativos e devem repassar para as equipes. O material foi encaminhado também posteriormente à reunião de 11 de julho por e-mail para as unidades. Cópias dessas comunicações também foram requisitadas pela CPI.

Soro antiescorpiônico – Em relação ao soro antiescorpiônico, a coordenadora explicou que o Cevisa recebe o material do GVE (Grupo de Vigilância Epidemiológica) do Estado e repassa para as duas unidades que são pontos estratégicos para esses casos na cidade, que são a UPA Vila Cristina e Santa Casa. Cada unidade fica com uma quantidade de soro suficiente para atendimento de até quatro casos e o Cevisa mantém o restante do estoque.

De acordo com a responsável pela vigilância, assim que ocorre a utilização das ampolas, a unidade deve informar o Cevisa por e-mail e o órgão promove a reposição imediata do insumo, mesmo em feriados e fins de semana. Em seguida, a vigilância municipal informa ao GVE, que repõe o estoque do município.

O Cevisa também promove o monitoramento dos insumos encaminhados às unidades, já que a equipe de enfermagem tem a obrigatoriedade de enviar uma planilha semanal com informações sobre a temperatura do soro na câmara fria e validade. A coordenadora complementou que a identificação do soro é bastante visível.

“Os gestores da unidade receberam treinamento acerca do tema e há um checklist muito claro a respeito dos procedimentos, mas até agora tudo indica que não foi seguido”, avaliou o presidente da CPI, vereador Acácio Godoy (PP). “Tivemos mais clareza da política de gestão do soro, da atuação técnica e com acompanhamento muito sério feito pelo município”.

A CPI também é composta pelos vereadores Gustavo Pompeo (Avante), relator, Cássio Luiz Barbosa (PL), o Cássio Fala Pira, Pedro Kawai (PSDB) e Paulo Camolesi (PDT). Os trabalhos contam com as assessorias da Procuradoria Legislativa e do Departamento Legislativo da Casa.

Triagem – A CPI também tomou, nesta quarta-feira (18), o depoimento da enfermeira responsável pela triagem de Jamilly. A profissional autorizou a divulgação de imagens do depoimento, mas não de sua identificação, que será preservada nesta reportagem. Ela disse que atendeu a paciente com prioridade, assim que foi informada de que se tratava de um caso de picada de escorpião pela recepção.

De acordo com a profissional, a criança estava chorosa, mas consciente e conversando. No entanto, a enfermeira percebeu a gravidade do quadro. “A própria criança falava que ia morrer”, afirmou. A paciente ainda teria mostrado o local da picada, que era o dedo do pé. Segundo a depoente, a mãe de Jamilly não soube informar o horário da picada porque não era ela que cuidava da criança no momento do acidente.

A enfermeira informou que o sistema de triagem é eletrônico e que apresentava instabilidade naquela noite. Por isso, não teria conseguido classificar o caso na faixa vermelha, a mais grave, porque teria apresentado demora. A profissional teria decidido então, para agilizar o atendimento, classificá-la na faixa laranja, que teria sido a possibilitada pelo sistema, mas garantiu que as duas classificações são passíveis de encaminhamento do paciente para a Sala de Emergência.

A profissional disse ainda que não conseguiu medir a saturação e a frequência cardíaca devido ao estado de agitação da criança. Ela garantiu que fez a triagem o mais rápido possível e, em seguida, encaminhou o caso para a médica que atendia no setor de Pediatria. Ela disse que teria encontrado a médica no corredor e entregado a ficha de Jamilly.

Ela ainda teria pedido para a médica atender a criança imediatamente e alertado que, pela experiência que possui com casos de escorpião, o quadro poderia se complicar. A funcionária disse que não sabe o nome da médica porque a rotatividade desses profissionais é muito grande, mas garantiu que conhece toda a equipe de enfermagem.

A enfermeira disse ter acreditado que a criança teria sido encaminhada para a Sala de Emergência. No entanto, somente depois teria sido procurada por um parente da paciente, no acolhimento, para entregar um carregador de celular para a mãe. Ela informou que pegou o carregador e teria procurado a mulher na Sala de Emergência, mas viu que a criança não estava lá e foi encontrá-la na Sala de Observação.

A enfermeira garantiu que a triagem feita na UPA não tem influência sobre o pedido de vaga para transferência. Ela disse que a prioridade do caso é definida pela regulação, que libera a vaga zero para atendimento. Da UPA, Jamilly foi transferida para a Santa Casa, onde veio a óbito na manhã seguinte.

Treinamento – Em relação ao treinamento da equipe da OSS, a enfermeira disse que o protocolo da UPA Vila Cristina foi passado pela equipe anterior, formada por servidores efetivos do município, durante um período de transição de 15 dias. O treinamento teria sido basicamente o acompanhamento da rotina da unidade no período. A enfermeira disse que participou de sete plantões nesse esquema de transição, mas nesse tempo, não houve nenhum caso de escorpionismo.

A enfermeira, que é também técnica de enfermagem efetiva do município em outra UPA, disse que sabe que a unidade da Vila Cristina é um ponto estratégico para casos de acidentes com escorpião e que há soro no local. Ela acrescentou que, em sua jornada profissional, já trabalhou por nove anos na UPA da Vila Cristina e possui bastante experiência com casos dessa natureza.

Em relação à disponibilização do fluxograma para atendimento de casos com escorpião, a enfermeira disse que não foi afixado nas paredes do setor de acolhimento. No entanto, depois da morte de Jamilly, foi disponibilizado um material com explicações sobre o tema, que agora deve ser anexado na triagem à ficha específica para casos de acidentes com animais peçonhentos. Além disso, também posteriormente à morte da criança, as equipes têm passado por treinamentos semanais com uma enfermeira da educação continuada.

Como trabalha no acolhimento, ela disse que não acompanhou como foi o atendimento depois que a criança passou pela triagem e por isso não quis apontar se houve falhas ou falta de experiência dos colegas. Questionada pelos vereadores, a depoente afirmou que a equipe anterior à OSS, formada por servidores efetivos do município, era bastante entrosada, já que havia profissionais que trabalhavam há 15, 20 e até 30 anos na mesma unidade. “Tem gente que trabalhou praticamente a vida profissional inteira lá. Um olhava para o outro e já sabia o que queria”, afirmou. “Agora, é uma equipe que está criando esse entrosamento, o que é normal em qualquer empresa”.

A CPI vai retomar os depoimentos na próxima quarta-feira (25), quando devem participar os integrantes da equipe do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) que prestaram socorro a Jamilly.

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