Prof. Adelino Francisco de Oliveira
Professor no Instituto Federal, campus Piracicaba
Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião
Sempre acalentei a vontade de conhecer a cidade de Petrópolis, localizada na região serrana do Rio de Janeiro. Em uma coincidência interessante de data, no último 7 de setembro, dia da Festa da Independência, visitando minha filha, que agora estuda na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), veio o convite e a oportunidade de passar alguns dias na cidade Imperial. Acabei ficando três dias por lá, percorrendo ruas, reconhecendo arquiteturas, visitando igrejas, bibliotecas e museus, frequentando cafés e conversando sobre os emblemas e sinas da colonialidade.
Petrópolis é uma aula de história colonial e diz muito sobre uma forma de pensar que plantou raízes no Brasil. Percorrendo as ruas da cidade, não é difícil compreender o porquê o pensamento colonizado ainda define a visão de mundo nacional. A representação de império e realeza, com seus símbolos, palácios e catedrais, talvez sintetize o sentido maior de uma Petrópolis mítica. Não há dúvida de que a história deve ser sempre preservada, mas é fundamental compreendê-la em chave complexa, suplantando estratégias de apagamento, invisibilização e releituras negacionistas.
Para muito além de uma história idílica, de um passado memorável de heroísmo e desbravamento, demarcado por construções suntuosas, exalando apreço à cultura; por damas e cavalheiros cheios de dignidade, integridade moral e princípios religiosos elevados; há toda uma história silenciada, interditada nas muitas narrativas sobre essa Petrópolis Imperial. É quase chocante e até perturbador a ausência e o silêncio acerca dos povos indígenas, que habitavam por primeiro aquela região e também sobre a população negra, força motriz para a produção de toda riqueza colonial.
A história do Brasil colonial e imperial é, antes de tudo, uma história de profunda vergonha, edificada sob os signos da expropriação, da exploração, da opressão, da escravidão e do extermínio. Apesar de estar latente e ser o contraponto, a gritante contradição do sistema colonial e da ordem imperial, há uma evidente tentativa, nos emblemas e sinais de Petrópolis, de se ignorar e até mesmo se apagar essa história de escravidão e genocídio.
No memorial da história que pretende ser a cidade de Petrópolis, qual o lugar dos povos indígenas e da população negra? Explorados, escravizados, dizimados e agora esquecidos, são apenas esses os lugares reservados para ambos – indígenas e negros – na história? Sem perspectivas no passado, continuam também sem lugar no presente? Na ausência de monumentos e homenagens, nem a memória desponta como quinhão? O pensamento colonial insiste na míope narrativa de que há muito de nobre e de digno na experiência trágica do Brasil colônia e imperial.
Pelas ruas de Petrópolis, dialogando com minhas filhas, pude contemplar a urgência da elaboração de concepções decoloniais, rompendo tão profundamente com os estigmas de uma visão colonizada, que insiste em negar a complexidade da história. Em um café fui interpelado por um jovem negro, a me oferecer doces para comprar. Na cumplicidade étnica, à luz da Festa da Independência, falamos sobre apagamento e invisibilidade. O pensamento decolonial desponta como o caminho para o resgate de uma outra história, tecida longe das pompas dos palácios e das arquiteturas das catedrais. Uma história demarcada por tantas dores e sofrimentos, mas também por muitas lutas e resistências. No crepúsculo daquela tarde, no café imperial, reivindicamos os emblemas e sinais de nossa história silenciada e nos alegramos diante das perspectivas de transformação social a partir da decolonialidade.