Desde já, logo no início desta nossa ‘conversa’, quero deixar bem claro: não sou do tipo que busca o ‘lugar fácil’ dos debates, apenas tentando encontrar ‘culpados’ para questões que são amplas – envolvem desde a cultura de um povo, mas sobretudo às relações de trabalho. Então, esse artigo – com esse título alertando sobre a dependência em tecnologia –, não tem o intuito de achar bode expiatório; tampouco, quero incentivar qualquer tipo de fobia a avanços tecnológicos, que são tão naturais em nossa sociedade.
O que quero trazer aqui é uma questão mais pontual e que tem menos a ver com ‘ideias totalizantes’, como muitas vezes alguns debates caminham. Embora não seja novo, foi publicado em 2015 na Revista Brasileira de Psicoterapia –, assinado por diversos psiquiatras, assim como uma psicóloga, especialista em psicoterapia de orientação analítica e de infância e adolescência –, artigo científico analisa os subtipos de vício em tecnologia. Os especialistas fazem um alerta: precisamos falar sobre o assunto.
Eles destacam que o problema da dependência pode estar relacionada a jogos eletrônicos, às redes sociais, à pornografia ou aos próprios aparelhos de smartphones. “O transtorno é caracterizado pela falta de habilidade de controlar o uso da tecnologia – em qualquer de suas formas — quando esse uso causa impacto negativo nas principais áreas da vida, como nos relacionamentos interpessoais, na saúde física, no desempenho acadêmico ou desempenho no trabalho”, apontam. É um fenômeno observado globalmente e, de acordo com o estudo publicado, normalmente associado a outros transtornos psiquiátricos.
JOGOS ELETRÔNICOS – Já é bem estabelecido que o uso de jogos eletrônicos pode, para algumas pessoas, acarretar prejuízos na saúde, tanto física quanto mental, no desempenho acadêmico e nos relacionamentos afetivos. De acordo com o texto em referência, ainda não existe estudo de base populacional no Brasil para que possamos determinar com maior precisão o impacto desse transtorno na população brasileira. O que se sabe é que é possível identificar a presença concomitante de outro transtorno mental, que pode ter uma relação de causa e efeito com a dependência de jogos e uma tendência a se reforçarem mutuamente. Adolescentes do sexo masculino são um de seus principais grupos de risco.
As características dos jogos eletrônicos atuais também são bastante preocupantes: os jogos se desenvolvem nos chamados “ambientes persistentes”, ou seja, o jogador que não está online se coloca numa situação de prejuízo perante os demais, fazendo com que ele “necessite” estar dedicado ao jogo muitas horas por dia.
REDES SOCIAIS – As plataformas das redes sociais, muitas vezes dedicadas apenas ao público adulto, vêm sendo também amplamente difundidas entre crianças e adolescente. De acordo com o texto, meninas estão em maior número nas redes do que os meninos. Elas se utilizam dessas plataformas para se comunicar e para entretenimento e, em geral, os meninos as utilizam como uma maneira de compensar inabilidades sociais. Elas também têm maior tendência a usá-las de forma problemática.
Uma série de sintomas da dependência das redes sociais já podem ser observados, como nervosismo quando não se tem acesso à Internet, a rede social não funciona ou está mais lenta do que o habitual; consultar as redes sociais assim que se levanta e antes de se deitar; sentir-se inquieto se não tiver o smartphone ao alcance da mão; caminhar utilizando as redes sociais; sentir-se mal se não receber likes, retweets ou visualizações; usar as redes sociais enquanto dirige; sentir a necessidade de compartilhar qualquer coisa da vida diária; achar que a vida dos outros é melhor do que a sua, em função do que vê nas redes e fazer check-in para cada local ao qual vai. O grande problema das redes sociais é que elas são formuladas para que necessitemos de um constante retorno a elas.
PORNOGRAFIA ON-LINE – O uso excessivo de pornografia on-line é classificado como um dos subtipos de Transtorno de Hipersexualidade e esse comportamento envolve ver, baixar, trocar material de conteúdo pornográfico ou se envolver em salas de bate-papo com temas de fantasias sexuais, causando significativo prejuízo interpessoal. Os adolescentes são afetados porque geralmente aceitam definições de sexo, amor e relacionamentos vindos da pornografia e, posteriormente, são associados com maior risco de práticas sexuais inseguras, maior número de parceiros sexuais e precocidade da primeira relação sexual, menor satisfação sexual e menor satisfação no relacionamento como um todo.
SMARTHPHONES – Refere-se à ansiedade, ao desconforto ou à irritabilidade desencadeados em uma pessoa quando encontra-se longe de seu celular. Assemelha-se a outras dependências comportamentais e ainda se associa a um outro risco significativo: de envolvimento em acidentes, desde quedas até acidentes automobilísticos. O risco de dependência de telefones celulares está, claro, associado ao uso intenso de redes sociais e o número de mensagens de texto enviadas e até o momento as pesquisas apontam que indivíduos mais extrovertidos parecem estar mais propensos a este tipo de vício.
Não obstante, também está associado a altos níveis de tédio e baixa autoestima, sentimentos de solidão, busca por aprovação, níveis elevados de ansiedade, depressão e alexitimia, termo empregado no diagnóstico clínico de pessoas com acentuada dificuldade ou incapacidade para expressar emoções.
Paulo Soares, presidente do Caphiv (Centro de Apoio ao HIV/Aids, Sífilis e Hepatites Virais)