Em 1759, os jesuítas foram expulsos dos domínios da Coroa portuguesa por nefasta ação do Marquês de Pombal. Foram sumariamente confiscados os bens da Companhia, não só os de raiz, mas também arquivos, bibliotecas, objetos sacros. Nem sequer os manuscritos dos religiosos foram poupados. Em sequência, são também adotadas medidas persecutórias contra os inacianos na França (1761-1764), na Espanha (1767), em Nápoles, em Parma, Benevento, Avignon e Malta (1768), no Paraguai (1750-1768), no Maranhão e no Amazonas (1768).
Para o Brasil, as consequências dessa injustiça ditatorial foram enormes. O ensino na América portuguesa estava, desde os primeiros tempos, confiado aos jesuítas. Sem eles, o Brasil ressentiu-se muito. Foi severamente proibida a utilização do nheengatu, a chamada “língua geral”, utilizada pelos inacianos em sua pregação em todo o litoral do Brasil, desde o Pará até as capitanias do Sul, e que era entendida correntemente por muitos brasileiros de origem europeia e sem qualquer sangue indígena. O resultado dessa proibição é que o Brasil, que poderia ser hoje uma nação bilíngue (como o são o Paraguai e o Peru), esqueceu quase completamente a memória do velho “Grego da terra”, que somente nos topônimos e em algumas expressões regionais ainda marca presença.
Em 1773, a Companhia de Jesus foi fechada pelo Papa Clemente XIV, pressionado por Pombal e por outros poderosos ministros de monarquias europeias. Foi um doloroso episódio da História da Igreja, até hoje ainda não inteiramente esclarecido.
Nenhuma Ordem religiosa sofrera, até então, uma investida tão brutal como a Companhia de Jesus. A figura caricatural do jesuíta – oculto por detrás das grades de um confessionário e manobrando inescrupulosamente consciências temerosas e, por meio delas, influindo na política das grandes nações – por toda a parte se impunha. Era moda ser contra a Companhia, era moda criticar os jesuítas. Poucos ousavam, naquelas circunstâncias, defender a Companhia de Jesus. Fazia-se em torno dela um como que consenso de hostilidade e desconfiança, tal a força da propaganda orquestrada, da moda artificialmente imposta.
Dir-se-ia que a Companhia de Jesus era imensamente impopular. Na realidade, se considerarmos em profundidade, nunca a Companhia teve tanto prestígio como naquela época. Sintoma curioso desse prestígio real, se bem que inconfessado: muitos dos perseguidores da Companhia confiavam precisamente aos tão denegridos jesuítas a educação de seus filhos…
E quando a Companhia foi fechada, dois monarcas não católicos (em certa medida até anticatólicos) se ofereceram a acolher os jesuítas proscritos: Frederico da Prússia e Catarina da Rússia. Reconheciam, com isso, o papel eminente que esses proscritos desempenhavam como educadores de alto nível.
Em 1814, outro Papa, Pio VII, restauraria a Companhia de Jesus, em larga medida graças à atuação de São José Pignatelli (1737-1811), que viveu uma vida discreta e silenciosa, na fidelidade ao verdadeiro espírito inaciano, trabalhando para que a Companhia pudesse ser restaurada. Faleceu antes de ver seu objetivo atingido e foi sepultado quase secretamente. Parecia para sempre esquecido… mas o Espírito Santo trabalhou nas almas e sua figura foi ganhando importância ao longo dos tempos. Em 1933, foi beatificado por Pio XI, que o considerava o principal elo entre a Companhia extinta por Clemente XIV e a nova, instituída por Pio VII, e o designou como o verdadeiro restaurador da Companhia de Jesus. Em 1954, foi canonizado pelo Papa Pio XII.
A partir de meados do século XIX, foram pouco a pouco retornando os jesuítas ao Brasil, de modo discreto, mantendo seu hábito de se dedicar ao ensino. Veja-se, a respeito, o livro “Os expulsos voltaram – os Jesuítas novamente no Brasil 1842-1874”, de Danilo Mondoni (São Paulo: Loyola, 2014).
O século XIX foi um século de grandes embates ideológicos em que a Igreja Católica, como um todo, foi muito combatida, e os jesuítas estiveram no centro, no eixo, desse embate. A tal ponto que, no projeto de Constituição que elaborou logo após a proclamação da República, Ruy Barbosa propôs que, por dispositivo constitucional, fosse para todo o sempre proibida a presença de jesuítas na república brasileira. O projeto não vingou, como todos sabem. Mas, o mais curioso é que o mesmo Ruy Barbosa que assim combatia os jesuítas… colocou seus filhos a estudar em colégios da Companhia de Jesus, como observa, com uma nota de ironia, Gilberto Freyre na sua obra clássica “Ordem e Progresso” (Rio de Janeiro: José Olympio Editora / Instituto Nacional do Livro, 3ª. ed., 1974, vol. II, p. 523-525).
Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia
Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.
Frase a destacar: O mesmo Ruy Barbosa, que combatia os jesuítas, colocou seus filhos a estudar em colégios da Companhia de Jesus.