O grande problema da educação no Brasil

Armando Alexandre dos Santos

 

Pretendia, na última semana, comentar o filme “Entre os muros da escola”, mas deixei-me levar por considerações preliminares indispensáveis para a correta abordagem da matéria, que por isso ficou para esta semana.

Falávamos do problema educacional no Brasil. A tal respeito, há que distinguir a educação formal da informal. No tocante à educação formal, o principal problema que se apresenta é de ordem ideológica. Nossa política de ensino, viciada desde a Lei de Diretrizes e Bases (que senti na pele, pois estava no colegial na época), e depois muito piorada pelas sucessivas reformas educacionais, partiu de pressupostos ideológicos e metodológicos errados e conduziu o ensino brasileiro à realidade de ser um dos piores do mundo.

Essas reformas, executadas pelos governos militares, mas já gizadas desde os tempos de João Goulart, nivelaram por baixo, destruíram a escola pública, pseudo-democratizaram o ensino, multiplicaram os cursos universitários pelo Brasil inteiro, num festival de graduados incapazes, muitas vezes, de escrever uma carta ou, mesmo, de entender um texto.

Queira-se ou não se queira, o aprendizado é sempre difícil e cumpre estimulá-lo por um sistema adequado de recompensas e estímulos. Que os melhores sejam beneficiados e os menos aplicados sofram sanções, nada há de injusto nisso. O que prejudica a todos, aos melhores e aos piores, é um sistema eufemisticamente denominado “de progressão continuada”, por onde os alunos vão sendo “catapultados” para os anos e os ciclos escolares seguintes sem terem aprendido, e por onde os professores se veem obrigados a deixar “passar de ano” todos os alunos, sem poderem reter os que nada aprenderam. Esse é o grande problema da nossa educação formal. Ela se transformou numa imensa fábrica de “analfabetos funcionais”.

Quanto ao da educação informal, o grande problema, a meu ver, é que ela é altamente prejudicada pelos meios de comunicação social, que sistematicamente amarfanham o senso crítico da nossa população. Com a onipresença e onipotência da grande Mídia, os outros elementos que poderiam eficaz e beneficamente influir na educação informal (a família, a religião, as associações, as rodas de amigos) têm sua influência praticamente anulada.

Já tive ocasião de contar mais de uma vez, aos leitores da Tribuna Piracicabana, o que aprendi com meu saudoso amigo Samuel Pfromm Netto, professor de Psicologia Educacional da USP, grande especialista em televisão e, ele próprio, experiente comunicador da rede televisiva. Segundo ele, o sistema televisivo generalizado no Brasil parecia cientificamente planejado para “acarneirar” as pessoas, impedindo que desenvolvessem o senso crítico e, portanto, que exercessem, no plano político, sua plena cidadania. Ele explicava que o mecanismo normal da psique humana, para o pleno exercício de sua capacidade racional, tem três etapas, já claramente formuladas pela Escolástica medieval: ver, julgar e agir. O homem, sendo racional, tão logo apreende alguma informação nova, imediatamente deve pôr em funcionamento sua capacidade crítica e julgadora, para em seguida tomar uma decisão. Ora, como na tela se sucedem em velocidade vertiginosa imagens e informações contraditórias, não há tempo para a segunda e indispensável etapa do pensamento humano, a do julgamento, da crítica, da análise. Por falta de tempo para isso, as pessoas perdem o costume de criticar. Perdendo o costume, perdem o gosto e passam a, cada vez mais, se habituar a exprimir seu pensamento por slogans, por chavões, por lugares-comuns habilmente insinuados pela propaganda.

Se isso era assim com a televisão, quanto mais o é com os atuais smartphones condicionadores e viciantes, em que as pessoas vão sendo conduzidas pelos famosos logaritmos a tomarem decisões e atitudes sem reflexão nem crítica!

Uma pergunta se impõe: a quem aproveita esse acarneiramento geral das multidões? Sem dúvida, há interesses econômicos poderosos envolvidos. As técnicas de propaganda cada vez mais avançadas permitem manipular as massas em proveito de grupos econômicos. Há também interesses políticos e ideológicos. Conhecendo nossa classe política (e deixo intencionalmente vaga essa expressão, porque desejo abarcar todos os partidos políticos, de todas as orientações), compreendemos bem que todos têm interesse num eleitorado pouco crítico e pouco exigente, facilmente manipulável por uma propaganda rápida e bem conduzida por marqueteiros hábeis nas três ou quatro semanas antes de cada eleição. No resto do tempo, ela se contenta, como a velha plebe romana, com pão e circo.

Esse é o grande drama social do Brasil. O fundo da questão não se trata, como insistentemente se apregoa, de um mero desequilíbrio na distribuição de renda. De nada adianta distribuir renda se a população não pensa, não julga, não age criticamente. A própria difusão maciça da educação formal, e até do ensino superior, não passa de um imenso disfarce, de um imenso biombo para esconder a realidade mais profunda.

Vejo que o espaço disponível se esgotou. Mais uma vez foi necessário me estender em considerações de ordem geral, prévias à análise do filme. Na próxima, prometo, trataremos dele.

 

Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.

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