Adelino Francisco de Oliveira
A democracia talvez seja a forma mais justa e menos imperfeita de se organizar o poder em uma sociedade. E esse é um debate muito antigo, que remonta ao grande mestre Aristóteles, o estagirita. A beleza da democracia está no reconhecimento de que a origem do poder e também sua finalidade consistem em servir ao povo. O poder emana do povo, já explicava o impetuoso pensador iluminista Jean-Jacques Rousseau. Em tese, na democracia o poder é do povo, para o povo.
Nossa democracia é representativa. Isso significa que o povo delega o seu poder, mediante um processo eleitoral, para alguns cidadãos e cidadãs, denominados de políticos. Quando eleito o cidadão, que é um do povo, passa a exercer um mandato político por um período determinado de tempo. Entre outros pontos, diferente de uma ditadura ou mesmo tirania, a democracia pressupõe alternância de poder, representatividade dos diversos segmentos sociais e o reconhecimento que a palavra última é sempre do povo. Quanto mais participação popular, mais intensa e profunda se torna a própria democracia.
A democracia corre riscos quando os déspotas de plantão encontram meios para burlar a vontade popular, na tentativa de se perpetuarem no poder. Está provado que o processo de difusão de fake news e desinformação, por exemplo, são estratégias desleais, que procuram confundir e manipular a vontade popular. A democracia se torna mais elevada quando a escolha popular dos representantes para mandatos acontece em um contexto de disputa legítima de ideias e projetos, de maneira transparente e com iguais condições.
A democracia brasileira é uma conquista ainda muito recente, que demanda ser aprofundada e aperfeiçoada. A plena, consciente e livre participação popular tem sido maculada e corrompida pela perpetuação de práticas históricas que denotam uma maneira rebaixada de se fazer política, demarcada pelo clientelismo, pelo patrimonialismo, pelo nepotismo, pela força do poder econômico. Nesse cenário, a disputa eleitoral passa a ser um jogo de cartas marcadas, capaz de usurpar o poder popular.
A partir de informações públicas, facilmente acessadas via internet, é possível se ponderar para onde foram os votos na cidade de Piracicaba, por exemplo. Há uma correlação intrigante entre número de votos alcançados, posicionamento ideológico do candidato e recursos financeiros. Em uma lógica de campanhas sofisticadamente profissionalizadas, de marketing e projeção de imagens, o debate em torno de projetos e concepções de sociedade passa a não ter espaço nem relevância na disputa por votos. Os dados podem revelar muito sobre as fragilidades de nossa democracia.
Apenas para reflexão, com informações do próprio TSE, em conformidade com o princípio da publicidade e transparência, destacaremos em seguida as dez candidaturas mais votadas em Piracicaba, considerando apenas os votos obtidos na cidade na disputa para deputado federal. Paulo Campos (Pode) contou com R$ 406.895,00 e obteve 21.424 votos; Eduardo Bolsonaro (PL) contou com R$ 807.241,63 e alcançou 10.195 votos; Gilmar Rotta (PP) contou com R$ 209.382,00 e obteve 9.835 votos; Carla Zambelli (PL) contou com R$ 2.146.899,69 e alcançou 9.080 votos; Ricardo Salles (PL) contou com R$ 2.401.140,63 e obteve 9.024 votos; Érica Gorga (Patriotas) contou com R$ 759.680,00 e obteve 7.545 votos; Jefferson Campos (PL) contou com R$ 724.982,13, alcançando 6.862 votos; Edvaldo Brito (Avante) contou com R$ 1.140.721,75 e obteve 6.134 votos; Guilherme Boulos (PSOL) contou com R$ 2.829.243,22, alcançando 6.039 votos e finalmente o Professor Adelino (PT) contou com R$ 119.000,12 e alcançou 5.472 votos só na cidade de Piracicaba.
O nome do sistema no qual os mais ricos governam é oligarquia, não democracia. Sem justiça, igualdade e equidade na distribuição dos recursos para uma campanha eleitoral, o poder nunca estará, de fato, nas mãos do povo, nem tão pouco será um poder para o povo. Este debate deve ser público, frequente e intenso, alavancado a partir de uma perspectiva crítica, aberta e ética.
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Adelino Francisco de Oliveira, professor do Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba; e-mail: [email protected]