A indevida blindagem de parlamentares e figurões  

Dirceu Cardoso Gonçalves

 

 

Foi um erro imperdoável a Câmara dos Deputados aprovar, à toque de caixa, o projeto que torna crime o ato de discriminar parlamentares investigados ou processados. Primeiro porque a punição a atos discriminatórios é medida que deve proteger todos os cidadãos, não apenas a privilegiada casta dos congressistas e  altos funcionários dos três poderes, como estabelece o malfadado texto. Além disso, por ser um grave desperdício o Parlamento ocupar seu tempo na produção da blindagem dos seus membros, quando existem tantas demandas da sociedade – especialmente as reformas do Estado – à espera de inclusão na pauta. Legislar em causa próparia é algo que deveria envergonhar os  senhores deputados, legalmente investidos como representantes do povo, não de si próprios.

É compreensível a atitude da deputada Dani Cunha (União Brasil/RJ) ao propor a superproteção para si, seus colegas e aos notáveis da República. Ela deve ter sofrido muito (e até restado com traumas) ao ver, sem nada poder fazer em defesa, a queda do seu pai, Eduardo Cunha, da presidência da Câmara, (onde era o segundo na linha sucessória do presidente da República) para o fundo do cárcere da Operação Lava Jato, onde permaneceu recolhido por quatro anos e meio, inclusa a prisão domiciliar dos últimos tempos. Isso, no entanto, não deveria ter motivado os demais membros do colegiado a pensar e agir da mesma forma.

Em vez de buscar blindagem, deputados, senadores e todos os figurões da República deveriam primar por atitudes dignas e respeitáveis. Jamais participar de ilícitos —dinheiro na cueca ou em malas no apartamento, mensalão, petrolão e outros — e manter o espírito de corpo da instituição, punindo seus errantes e jamais fraquejando na manutenção e defesa das prerrogativas do mandato que ocupam em nome do povo. Tivessem eles, ao longo dos anos cuidado disso, a guarda não teria sido aberta para a existência de tantos parlamentares processados e até condenados como ultimamente.  Poderiam, até, ter mantido o procedimento que vigorou por muitos anos, onde senador, deputado e até vereador, no exercício do mandato, só podiam ser processados mediante a autorização da sua casa legislativa.

A essa altura, a besteira já está feita. A esperança é que o Senado cumpra integralmente sua tarefa de casa revisora da produção da Câmara e mande para o arquivo essa excrescência cuja aprovação serve única e exclusivamente para diminuir o já precário respeito do povo para com os parlamentares. Alguém precisa ter equilíbrio e juízo nessa controversa república democrática. Em vez de imunidades para não serem discriminados, os parlamentares precisam atuar para garantir suas prerrogativas no exercício do mandato que, por uma série de razões, têm sido ignoradas nos últimos tempos, num flagrante prejuízo ao Poder Legislativo e à população que depende das leis ali produzidas ou tramitadas. Desprotegido e atacado como tem sido por impropriedades cometidas pelos seus membros e falta de providências da instituição, o Legislativo perde, a cada dia, a sua característica de Poder, um grave prejuízo à Nação. O poder que, em razão de sua estrutura, escreveu a Constituição e tem a atribuição de reformá-la, não pode continuar indefinidamente na penúria em que se encontra. Tem de reencontrar seu caminho pois, se isso não ocorrer, o futuro de todos nós, brasileiros, será incerto.

 

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Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves, dirigente da Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo; [email protected]

 

 

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