Jesus não mereceu a cruz

Antonio Lara

 

 

A jovem Lourdes estava de cama, dominada por uma doença misteriosa. Os pais, muito ricos, não poupavam dinheiro para o tratamento da filha menor. Mas nada adiantava. A moça piorava a cada dia. Uma tarde, o médico da família, após os controles costumeiros, chamou os pais e disse:

 – Se me permitirem, tentarei mais um recurso. Vou levar Lourdes comigo para um passeio.

 Os pais, que desejam a saúde da filha, concordaram. Na manhã seguinte, o doutor colocou a jovem no carro. Atravessaram a cidade e chegaram até onde o asfalto acabava. Pararam a certa distancia de um barraco. O doutor disse:

 – Chegamos, vamos fazer uma visita.

 Devagar, dando apoio a moça. Os dois andaram um pouco e entraram no barraco. Parecia que ele conhecia a família, porque foi perguntando como estava a saúde da viúva e dos filhos pequenos. Lourdes observava tudo. O médico deixou alguns remédios, que tinha levado, e foram embora. Ao entrar no carro a moça perguntou: – Podemos voltar amanhã?

– Quanta vez quiser – respondeu o doutor.

  No dia seguinte, quando ele chegou à casa da jovem, ela o esperava com vários embrulhos. Entrou sozinha no carro e, chegando naquele barraco, conversou demoradamente com a senhora e as crianças. O médico perguntou a si mesmo se o remédio já estava surtindo efeito. Voltaram para lá várias vezes e a moça levou junto algumas colegas. Rapidamente se tornaram conhecidas na favela e fizeram muitas amizades. Pouco tempo depois, Lourdes estava animada, alegre e feliz. A cura começou quando parou de olhar para si mesma e aprendeu a enxergar os outros.

 Foi uma “transfiguração”? Não sei. Vamos deixar esta palavra tão importante para Jesus, lá no monte, mas nada impede de chamar a mudança da moça da historia de “transformação” ou “conversão”.

 A Transfiguração de Jesus, podemos entender acompanhando os Evangelhos e a relativa conversa de Jesus com Moisés e Elias a sua morte. Foi uma versão antecipada da gloria da ressurreição. Mas, antes, chegará o momento dramático da cruz. Algo impensável e inimaginável para os pobres apóstolos, homens ainda preocupados com a vinda de um reino poderoso, em tudo semelhante aos reinos humanos. Nem a cruz e nem a ressurreição, em si, foram um desfecho, digamos, lógico e previsível do ponto de vista humano. Somente Deus podia agir daquela maneira. Jesus não mereceu a cruz. Não pelas acusações que o condenaram. Nada fez de mal, como comumente pensamos, mas questionou tanto o modelo de religiosidade legalista e excludente daquele tempo, que a sua atenção aos doentes e pecadores lhe preparam o caminho da cruz.

 O mestre não foi um Messias guerreiro e triunfador. Só podia ser comparado com o Servo sofredor, vislumbrado pelo profeta Isaías. Daí, porém, a aguardar a ressurreição ainda faltava muito. Tanto é verdade que, no começo, não quiseram acreditar. Era tudo tão novo para eles.  

 Para chegar á glória da ressurreição, não tem outro caminho, não tem outro caminho que não seja o da cruz, o que significa para todos sair de nós mesmos e dar algo da nossa vida. Esta é a “transformação” que prepara a “transfiguração”. Deve morrer em nós o egoísta, o interesseiro e os gananciosos para que viva altruísta, o solidário e o generoso. Sem essa mudança, ou conversão, ainda estamos muito doentes, precisamos de uma cura radical. O médico – e o remédio também – é o próprio Jesus com o seu exemplo da vida doada. São as palavras do Pai: “Este é o meu filho, o escolhido. Escutai o que ele diz” (LC 9,35) 

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Antonio Lara, articulista

 

            

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