Sobre bárbaros e barbarismos

Armando Alexandre dos Santos

 

Voltemos a falar dos bárbaros, ou melhor, de como Políbio os via.

A esse respeito, Erich Gruen desde logo afirma que Políbio não via os barbaroi (plural de barbarós) com bons olhos: “Políbio não tinha apreço por `bárbaros´. Ele compartilhava de um sentimento helênico de superioridade sobre aqueles que não falavam grego e que não se beneficiavam da história, da cultura e das tradições gregas.” (Políbio e a Etnicidade, p. 82) Mas o motivo desse como que “complexo de superioridade” grego não era étnico, era de natureza cultural:

“O termo barbarós ou formas derivadas ocorrem com alguma regularidade na obra historiográfica de Políbio. Normalmente eles têm um tom pejorativo. (…) No entanto, isso não acarreta que a fraseologia expressasse um preconceito profundo e nem que o “bárbaro” possuísse falhas de caráter oriundas de deficiências étnicas inatas. Uma análise mais atenta das passagens nas quais Políbio emprega a palavra ou seus cognatos revela uma impressão diferente. A vasta maioria das ocorrências, mais de 70% não traz consigo nenhuma implicação condenatória. A designação aparece como uma etiqueta para marcar pouco mais que algo não grego. Em algumas passagens, o significado é explícito: há gregos e bárbaros e, entre eles, todo o resto. Qualquer língua, a não ser a grega, será bárbara.” (id., p. 82-83)

Em outra passagem, Gruen reforça a ideia de que não havia motivação étnica ou racial para o uso da designação de bárbaro: “Barbaros possui a mesma conotação para uma série de povos que aparecem na obra de Políbio: persas, habitantes da Anatólia, tribos hispânicas, tribos que viviam ao redor da Macedônia, trácios e gálatas, em torno do Pôntico, povos perto do Monte Zagro, tribos nas satrapias que resistiam a Antíoco III, os na Média e na Hircânia, os nas cercanias de Elimaida, tribos italianas, mercenários cartagineses. Em todas essas passagens, que contém a maioria das ocorrência do termo bárbaro, Políbio não elabora juízos sobre atributos étnicos.” (id., p. 83)

A designação de bárbaro muito provavelmente tem origem onomatopaica, porque se aplicava a pessoas que falavam mal o grego, de modo hesitante ou balbuciado. A iteração dos sons bar-bar parece indicativa disso. Na Grécia, eram designados genericamente como bárbaros os povos que não falavam o grego e não se inseriam na cultura helênica. É o que ensina o helenista francês Robert Flacelière (1904-1982), professor de Língua e Literatura grega nas Universidades de Lyon e da Sorbonne, e membro da Academia Francesa:

“Os gregos, não somente aqueles que habitavam a península balcânica, mas também os da Ásia Menor e da Sicília, assim como os de Marselha e os de cidades do Ponto Euxino (Mar Negro), reconheciam-se todos como irmãos de raça, sentindo entre si uma profunda comunhão de língua (apesar das diferenças de dialetos regionais), de religião e de costumes, em oposição ao mundo que designavam como bárbaro, ou seja, o conjunto de todos os povos que falavam outras línguas que não a grega. O nome de Grécia (Hélade), porém, jamais teve significação política na Antiguidade; a própria Grécia nunca constituiu um Estado unido antes das dominações macedônica e romana.” (La vie quotidienne en Grèce au siècle de Péricles. Paris: Librairie Hachette, 1959, p. 7.)

Por extensão, tanto na Grécia como entre os romanos, o termo “bárbaros” passou a designar, também genericamente, os estrangeiros, aqueles que não falavam nem grego nem latim, se bem que os romanos tendessem a usar a designação de bárbaros aos povos que, provenientes do Norte ou da Europa do Leste, confinavam com o Império Romano e o ameaçavam, acabando por derrubá-lo. Mais extensivamente ainda, e já em sentido figurado claramente pejorativo, bárbaro passou a significar inculto, grosseiro, tosco, rude, características dos povos invasores designados como bárbaros. Ainda modernamente, em vários idiomas usam-se palavras derivadas do remoto termo grego barbarós para designar a violação sistemática das boas normas gramaticais de um idioma. Constitui exemplo típico de barbarismo linguístico ou gramatical o mau hábito generalizado no Brasil atual de omitir os SS finais dos substantivos ou adjetivos plurais, denotando a pluralidade tão-somente pela desinência dos respectivos artigos.

Depois de analisar muitas passagens em que Políbio usa a designação de bárbaros e discutir o sentido que, em cada caso, atribuía a tal designação, conclui Gruen:

“Em resumo, o uso frequente do termo bárbaros em Políbio não deve ser interpretado erroneamente. A grande maioria dos casos é inofensiva, sem implicações condenatórias, apenas designações neutras de não gregos. Os romanos, com quem Políbio conviveu, escapam dessa nomenclatura. Afirmações de Políbio que sugerem características inerentes ao termo são marcadamente escassas, têm uma pertinência limitada e não são abrangentes. Ao designar povos como bárbaros, o historiador não era impulsionado por considerações étnicas.” (id., p. 87)

 

 

Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.

 

 

 

Frase a destacar: Constitui exemplo típico de barbarismo linguístico ou gramatical o mau hábito de omitir os SS finais dos substantivos ou adjetivos plurais.

 

 

 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima