O fim da demissão sem justa causa

Rafael Siqueira

 

Muito se tem ouvido falar nesses últimos dias sobre o assunto da Demissão Sem Justa Causa e muitas pessoas ainda não entenderam o que isso muda no Regime de Trabalho e os impactos desse tema.

Em 1996 o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, assinou o Decreto 2.100/1996, que suspendeu a aplicação da Convenção 158 no Brasil.

A Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OT), foi acordada na 68º Conferência Internacional do Trabalho ocorrida em Genebra em 1982 e normatiza dispensas de colaboradores, proibindo as demissões injustificadas. A convenção considera justificadas apenas aquelas baseadas na capacidade ou no comportamento do empregado ou nas necessidades financeiras ou de funcionamento da empresa.

Com a assinatura do Decreto em 1996, o empregador pode dispensar um funcionário, sem precisar informar o motivo de tal dispensa, o que levou a Contraf (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e CUT (Central Única dos Trabalhadores) entraram com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra o decreto de FHC.

Na ação, justificou-se que não era competência do Presidente da República assinar o Decreto e que a decisão de sair ou não da Convenção deveria ser do Congresso Nacional. O julgamento da ADI pelo Supremo Tribunal Federal começou em 2003, e sofreu diversas interrupções por pedidos de vista dos ministros. Ele foi novamente paralisado em 2022. Como um novo prazo regimental para pedidos de vista entrou em vigor em 1º de fevereiro deste ano, estabelecendo prazo de 90 dias úteis para que os pedidos sejam devolvidos é provável que o julgamento seja concluído até a metade deste ano.

Caso seja julgado procedente pelo STF, com entendimento de que esta decisão deve ser do Congresso, o Decreto assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso perderá efeito. Admitir a ADI implica declarar inconstitucional o citado decreto de FHC, e, consequentemente, aplicar a convenção 158 no Brasil. A ação também pode ser acatada apenas parcialmente, que significaria o envio do decreto para apreciação do Congresso Nacional, ainda sem prazo. Por outro lado, a rejeição da ADI significa rejeitar, também, a aplicação da 158.

Com isso, se o julgamento for pela inconstitucionalidade do Decreto do então presidente, a demissão que atualmente não é justificada pelo empregador, deverá ser esclarecida. A Convenção 158 é baseada no princípio da justificativa. Significa que todo empregador tem que dizer porque está dispensando aquele trabalhador.

Hoje o empregador pode simplesmente dispensar o empregado arbitrariamente sem dizer o porquê. A Convenção 158 fala exatamente sobre isso. O empregador tem direito a extinguir o contrato de trabalho, mas deve falar o porquê está fazendo isso. Não precisa ser uma justa causa ou um motivo disciplinar. Não é que só pode ser demitido por justa causa. A própria Convenção 158 fala que esses motivos podem ser em razão do comportamento, desempenho ou mesmo motivos financeiros ou tecnológicos da empresa, por exemplo. A convenção garante a obrigatoriedade de dizer o motivo pelo qual o empregador está pondo fim ao contrato de trabalho.

Muitas “Fake News” surgiram com o tema, com o intuito de confundir a população dizendo que os trabalhadores perderiam benefícios como acesso ao FGTS e Seguro desemprego. A demissão por justa causa não é a mesma coisa de demissão com causa justificada. A Convenção 158 apenas prevê que a empresa justifique o porquê da demissão, e neste caso, o trabalhador tem direito a todos os benefícios e recursos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

O que se especula é se as empresas, com a dificuldade de justificar o fim do contrato de trabalho, passem a exigir mais qualificações na hora das contratações, com o foco em evitar demissões.

Ainda é preciso aguardar o julgamento do Supremo Tribunal Federal, que após 25 anos, deve concluir o caso.

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Rafael Siqueira, Administrador de Empresas, Assessor Parlamentar, Especialista em Administração Pública, Pós Graduando em Direito Público e aluno do curso de Justiça da Harvardx University.

 

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