Giovani Damiano
Para aqueles que não o conhecem, Evaristo é fundador do Grupo Cereal. Hoje a empresa fatura R$ 4,6 bi por ano nas áreas de trading, esmagamento de soja, nutrição animal, barter e produção de biodiesel. Fora isso, a família possui outros negócios como plantio de soja, milho e criação de animais. Montou seu império a partir do zero e é o típico empreendedor brasileiro que apanhou muito da vida até conseguir chegar no auge. Se é que já chegou…Se pensarmos em auge como pico, no sentido de ponto mais alto, realmente Evaristo ainda está longe disso. Aos 70 anos de idade, o vice-presidente ainda vai todos os dias para Cereal. Quando vou lá, não só me recebe de forma carinhosa como também participa das reuniões sempre que possível. Sua mente inquieta e curiosa é responsável pela trajetória de crescimento contínua da empresa, buscando conhecimento para transformá-lo em oportunidades de negócio.
Os negócios hoje são geridos pelos filhos, que foram sendo treinados desde a infância e escolhidos em função da personalidade, habilidades e preferências individuais para darem continuidade ao legado. Como pude participar de algumas decisões estratégicas dentro do Grupo Cereal, posso afirmar que nenhum dos filhos está ali por nepotismo. Houve uma profissionalização da empresa com várias consultorias e profissionais contratados para diversas áreas relevantes e tenho fortemente a sensação de que, caso fosse necessário, não haveria um filho atuando numa posição estratégica se não fossem competentes o bastante. Mas, esse cenário hipotético jamais aconteceria dado a visão além de seu tempo que o Evaristo foi mostrando ao longo de seus erros e acertos como empresário, como pai e como marido. Uma história que me relembrou alguns aprendizados importantes pelos quais já passei e senti na pele.
Para quem tiver interesse, o livro “Grão de sonho” foi super bem escrito, a leitura é fluída, rápida, a narrativa é agradável e o fim de cada capítulo te deixa curioso para ler o próximo. Conforme eu ia lendo, ia torcendo para que o jovem Evaristo fosse bem-sucedido dadas tamanhas adversidades pelas quais passou. Comecei a ler num voo de volta de Goiânia no meio da tarde de domingo e ao chegar em casa precisei terminar para conseguir dormir. Enfim, resolvi resumir e compartilhar as lições da vida de Evaristo Lira Barauna que mais me marcaram.
Evaristo viveu o “skin in the game” (colocou o dele na reta no português claro) durante diversos momentos de sua trajetória – e isso por si só já o atesta como um mentor por excelência. Fez algumas transições de carreira e acreditou na sua visão, independente do que os outros achavam. Começou como acendedor de lâmpadas de ruas, depois engraxate, trabalhou de graça como sapateiro para aprender um ofício, fez um curso técnico de contabilidade e passou num concurso público federal na CIBRAZEM (atual CONAB), montou o próprio escritório de contabilidade, trabalhou como contador na Cacta (Cooperativa de Caiapônia) e depois na COMIGO, até fundar a Comodoro, uma corretora de cereais, que por fim culminaria no Grupo Cereal. No meio do caminho tentou três negócios fora do agro que não deram certo, mas rapidamente foram stopados. Em NENHUM desses momentos, Evaristo se questiona se tomou a melhor decisão e nem olhou para trás para se martirizar ou se arrepender quando as coisas não davam certo. Suas convicções e sua força interior o empurravam para frente, mas para tanto foram necessários alguns passos muito bem calculados para trás.
Falar que o segredo do sucesso é a resiliência e a persistência, ou “grit” (garra) como Angela Duckworth diria, é uma simplificação muito abstrata. De fato, a vida marcada por duas tragédias familiares, e a necessidade de abandonar pessoas queridas para ir em busca de algo melhor forjam a ferro e fogo qualquer um. Mas Evaristo teve um exemplo dentro de casa, seu pai Filadelfo, um homem caridoso com quem aprendeu pelo exemplo a importância de se doar por um bem maior. Viktor Frankl nos explica que a felicidade só pode ser um subproduto de uma ação, nunca um resultado em si, em outras palavras, só é possível encontrar a felicidade como um meio, não como um fim, e ajudar os outros sem querer nada em troca é uma das coisas que nos gera felicidade. Suas passagens por Rotary Club, Maçonaria, e as associações que ajudou a fundar o tornaram conhecido na comunidade e reforçaram a confiança em seu nome. A reputação de seu sogro também contribuiu para tanto. Além disso, as empresas que trabalhou o tornaram muito próximo dos produtores, construindo relacionamentos e contatos que seriam a principal matéria-prima para seus primeiros passos no agronegócio por meio da Comodoro.
Se eu tiver que listar os cursos que Evaristo fez, eu precisaria dobrar o tamanho deste texto. Num determinado momento, questionamos a dimensão espaço-tempo em que o jovem empreendedor vivia. A conta só fechava através de turnos que iam das 3h00 às 23h00. A busca por educação tradicional via cursos somado ao verdadeiro interesse por pessoas e em aprender o que elas tinham para ensinar construíram sua base de conhecimento. Somado a isso, suas viagens deram uma visão de mundo aguçada e permitiram tacadas importantes, como na compra do terreno atual onde é a sede do Grupo Cereal e a construção da fábrica de soja desativada. Ambas ocorreram por meio da sua capacidade de observação e tranquilidade em enxergar que uma tendência era inevitável e questão de tempo para acontecer. Menos é mais. O simples vence. Decisões foram tomadas com uma relação risco-retorno absurdamente assimétrica. E isso é o que um bom empreendedor faz de melhor: adquire conhecimento, parte para ação, aguarda a concretização de resultados enquanto vai atrás de mais conhecimento e, assim, o ciclo virtuoso se fecha.
Na minha idade Evaristo já era um sucesso na vida profissional e pessoal, o Grupo Cereal já existia, tinha 14 anos de casado, três filhos, sendo o mais novo, Junior, com 8 anos. Claro que a única comparação justa que posso fazer é eu comigo mesmo de um, cinco, ou dez anos atrás. O olhar para Evaristo é no sentido de admirar a família que construiu no meio de tanta turbulência e enfatizar a gratidão dele por sua esposa, Selma. O amor é uma construção e o casal, como qualquer outro, teve seus altos e baixos, mas mais importante é o quanto um gerava de equilíbrio para o outro. Evaristo é um total tomador de risco e Selma o bom senso que calibrava sua dose de ousadia. Além disso, sua esposa o apoiou numa decisão importantíssima num momento em que a vida estava estável e tudo ia bem: apenas 10 dias após o nascimento do terceiro filho ele optou por pedir demissão e começar a Comodoro usando a sala de jantar de casa como escritório. Na fase de aperto, eles viajavam juntos para São Paulo de ônibus e, enquanto ele resolvia seus negócios, ela comprava roupas para revender em Rio Verde. Selma, além de toda responsabilidade nos cuidados da casa e filhos, proveu a liquidez necessária para tirar as contas da família do negativo enquanto o fluxo de recebimentos da Comodoro não se concretizava.
Conhecer essa história a fundo de alguém próximo, no mínimo, desperta admiração. Também faz refletir sobre temas que acabam caindo no esquecimento, como por exemplo que a tranquilidade financeira nos blinda de outros problemas da vida… Nada mais longe da verdade, os atritos familiares, os problemas de saúde, as ansiedades, os medos não deixam de existir, apenas vamos ficando mais confiantes que podemos enfrentá-los e que toda situação por mais difícil que pareça sempre tem um fim. E, acima de tudo, são nossos erros e dificuldades que constroem nosso caminho para o sucesso. Obrigado, Evaristo, sua história realmente me inspirou.
______
Giovani Damiano, economista pela Unicamp, gestor de investimentos Anbima (CGA), gerente de relacionamento na Marex Hedging Solutions e piracicabano.