Alvaro Vargas
As tradições hebraicas do passado instituíram o Yom Kippur (Dia do Perdão), dedicado à oração e ao arrependimento, para a expiação dos pecados (Levítico, 16:1-34). Essa cerimônia persistiu enquanto existia o Grande Templo em Jerusalém. Todo o povo implorava a Deus o perdão e a purificação, sendo o único momento do ano, em que o sumo sacerdote entrava na sala Santo dos Santos e espargia o Santuário com o sangue de um bode sacrificado para essa finalidade. Depois disso, colocava as mãos sobre a cabeça de outro bode, o expiatório, assumindo com isso que o animal carregaria os pecados do povo. Após a cerimônia, o animal era abandonado no deserto. Esse costume deixou de existir no Judaísmo, mas foi assimilado por algumas seitas cristãs, na doutrina teológica da redenção da humanidade através do sacrifício de Jesus, uma adaptação à sua liturgia do antigo hábito dos israelitas. A diferença é que ao invés de um bode abandonado para morrer no deserto, assumindo que ele apagaria todos os pecados do povo, elegeu-se Jesus. Essa adaptação surgiu pela Igreja Católica Romana, inclusive, estabelecendo dogmaticamente ser Jesus o próprio Deus.
A falsa premissa de existir uma redenção de nossos equívocos morais através do sangue de um justo, agride o bom senso. Considerando o nível evolutivo da sociedade de hoje, não se justifica uma fé cega, baseada em dogmas anacrônicos. Necessário é que o homem do século XXI use a sua inteligência, sem preconceitos ou ideias pré-concebidas, analisando racionalmente todos os conceitos filosóficos e religiosos, aceitando apenas aquilo que possa fazer sentido à luz da ciência. Na visão espírita somos responsáveis por nossas ações. Fomos criados simples e ignorantes, evoluindo através das reencarnações até nos tornamos espíritos puros. Possuímos o livre arbítrio relativo, associado a lei de causa e efeito, na qual colhemos os resultados das ações praticadas, nesta ou nas reencarnações subsequentes. Jesus não é Deus, mas o nosso irmão maior, o modelo e guia da humanidade. O seu martírio não purificou a humanidade, pelo contrário, criou um carma coletivo para todos que participaram deste crime, direta ou indiretamente. A única forma de superação das iniquidades é através de nossa transformação moral, individual, que não admite a transferência de nossos compromissos.
Entretanto, mesmo conhecendo o verdadeiro cristianismo, o Espiritismo, nos deparamos com as dificuldades naturais na superação dos hábitos nocivos à moral cristã. O apóstolo Paulo bem definiu essa situação: “porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço. Mas, se faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim” (Romanos, 7:19-20). A evolução não dá saltos. O progresso moral ocorre gradativamente. Trazemos ainda em nosso espírito condicionamentos mentais construídos durante séculos de vivência sem religiosidade nas inúmeras reencarnações aqui na Terra. Aferrados às práticas exteriores comuns das religiões institucionalizadas, transferimos a responsabilidade de nossa reforma íntima para os padres e pastores, não desenvolvendo uma autocrítica, necessária para a superação dos maus hábitos. Fundamental é assumirmos as consequências de nossas decisões, sem a tentativa de fuga, culpando outras pessoas pelos nossos erros. Lamentavelmente, muitos ainda, mesmo na ausência de um personagem humano que possa ser acusado pelas suas desditas, elegem os espíritos obsessores. Segundo o espírito Hammed (SANTOS NETO, F. E. Um Modo de Entender uma nova forma de viver, cap. 5), “na antiguidade e na Idade Média, os demônios serviram de bode expiatório para toda sorte de impulso e emoções deploráveis dos seres humanos, não se admitindo que a sua origem estava em nós mesmos”. Nesse aspecto, a sociedade ainda não evoluiu.
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Alvaro Vargas, engenheiro agrônomo, Ph.D., presidente da USE-Piracicaba, palestrante e radialista espírita