Alê Bragion
Aalegria é a prova dos nove – e eu me sinto melhor colorido. Na serpente do tempo que passa, no leito dos dias vividos, a esperança – Deus nos dê a sua graça – é o tônico dos renascidos. À mesa dos endividados, na cama dos desfalecidos, à porta dos deportados, na sorte dos mal-nascidos, dorme de olhos abertos a fé a ser acordada de seus sonhos esquecidos. Pois enquanto houver um galo, uma casa, noites e quintais – como cantou o velho bardo que o universo já carregou –, haverá sempre o afã da esperança pronta para ser consumada (aos berros!) antes das três da madrugada, antes das fatais três badaladas, renegadas, da manhã.
Porque há sempre uma vela na janela – e atrás dela uma rezadeira, uma benzedeira, uma curandeira a expurgar os males de toda a gente. Há sempre um café para o santo – salve, São Benedito! – em cima da geladeira, e uma pinga derramada com gosto antes da bebedeira. Três batidas na madeira, um creio em Deus-pai para arrematar. Uma raminho de arruda atrás da orelha, um vaso de flores num altar. Que a esperança gosta de coisas cheirosas! Vela, incenso e mirra. Defumadores fumegantes, banhos de cheiro e perfumes na barriga. Uma fitinha vermelha no tornozelo, no pulso a do Senhor do Bonfim. Pé de pato, mangalô, três vezes! Em algum lugar a esperança há de esperar por mim.
Porque esperar é ter coragem, mesmo quando tudo parece danado – mesmo quando tudo parece arruinado, mesmo quando a boa notícia, de repente, chega ao fim. Espera quem tem medo, espera quem se apaixona, espera quem se aprisiona em seu próprio eu e não diz sim. Espera quem tem fama, quem tem ousadia, quem tenta a sorte, quem tem coração. Espera quem acredita que a morte não é o fim não – é só uma passagem para outras paragens de celestial imensidão. Espera quem se compromete, quem se aventura, quem investe. Espera quem tem rabo preso com a paixão. Quem quer que a vida – curta, média ou comprida – seja sempre uma florida esteira da criação: uma tela, um quadro, um texto, uma doce canção.
Espera quem dá cria, quem procria, quem põe um mundo no mundo. Espera quem ponteia, quem clareia a viola à lua cheia, quem fez versos, quem escreve, quem protesta. Espera quem sabe que deve, quem sabe que a vida é breve para tanta desilusão. Espera quem ama a vida: a chegada, a ficada ou a partida. Espera quem sabe que amar é também interrogação. Espera quem gosta de ver passarinho, no ninho, um dia levantar voo. Espera quem acaricia o tempo, de leve, que nem veludo. Espera quem entra na roda feito criança que sabe tudo, quem dança e canta ciranda – e grita para quem acredita: quem espera sempre alcança, “tresvez” salve a esperança.
A esperança está nos livros, nas orações, nas estantes. A esperança está nos discursos, nos sábados à tarde, nos domingos pela manhã. A esperança – não parece – está até nos jornais. A cada instante alguém chama pelo seu nome, toda a hora a gente quer os seus sinais. Num Deus seja Louvado, num Deus te Crie, num Assim Seja. A esperança cresce para que todo mundo a veja. Afinal, o que nos resta senão a espera da ação – a esperação da ação divina em criação. Como dizem os portugueses, no Tejo, a bebericar seu vinho: bom mesmo é esperar Dom Sebastião, quer ele apareça ou não.
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Alê Bragion é cronista deste matutino desde 2017