Armando Alexandre dos Santos
A expressão “dramas da emigração”, constante do título deste artigo, pode causar alguma estranheza a alguns leitores. Sempre se falou, aqui no Brasil, da imigração (com “i” inicial), assim como sempre se falou, em Portugal, de emigração (com “e” inicial). Isso porque tradicionalmente o Brasil sempre esteve aberto aos que vinham de fora e Portugal sempre foi um país pouco populoso, mas grande exportador de recursos humanos. “Deus deu a Portugal um berço pequenino para nascer, mas o mundo inteiro para morrer”, dizia-se.
O Brasil não era exportador, mas importador de recursos humanos, desde que aqui aportaram os primeiros portugueses, com Cabral ou talvez ainda antes dele. Somente nos últimos anos é que se vem manifestando uma tendência emigratória em nosso país, que tem levado muitos brasileiros a procurarem melhores condições de vida em outras partes do mundo. E curiosamente, por um movimento contrário, Portugal se vem tornando, nos últimos anos, um país aberto à imigração, acolhendo numerosos estrangeiros que para lá se dirigem: muitos brasileiros, mas também provenientes da Europa do Leste e de outras partes do mundo. Já há muitos ucranianos em Portugal, é de se prever que agora, depois da agressão russa à Ucrânia, acorram muitos mais refugiados à acolhedora Lusitânia.
Não é dosneo-emigrantesou neo-imigrantesda atualidade que pretendo tratar neste artigo, mas dos dramas que nossos avós e bisavós, europeus, enfrentaram quando se dirigiram ao Brasil, ou a outras nações dispostas a acolhê-los.
Era clássico o sonho do português pobre, que recebia notícias de algum parente que havia enriquecido no Brasil, ou na Argentina, ou na África do Sul ou, ainda, no Canadá. Imaginava-se que, nesses países, tudo era fácil. Que neles crescia a “árvore das patacas”, como se costumava dizer. Os enriquecidos que voltavam, a passeio, a suas aldeias de origem, estadeando opulência e por vezes ali construindo casas ricas de bom gosto muito duvidoso, contribuíam poderosamente para alimentar essa miragem. No romance “A morgadinha dos canaviais”, de Júlio Diniz, é bem representadopersonagem Eusébio Seabra, um desses enriquecidos no Brasil, que retornou a Portugal e passou a querer dominar politicamente a aldeia de onde havia saído, 30 ou 40 anos antes, apenas com a roupa do corpo. Já os emigrantes “de torna-viagem”, ou seja, os que haviam fracassado no estrangeiro e retornavam humilhados a seus locais de origem, ainda mais pobres do que tinham sido no passado, esses existiam, sim, mas não eram muito comentados. Eles próprios, envergonhados, não gostavam de falar de suas desventuras e frustrações em terras estranhas. E os demais também preferiam não conversar sobre isso, pois é sempre mais agradável um sonho agradável do que a recordação de um pesadelo.
Gostaria de focalizar hoje um aspecto real, mas pouco lembrado, de um drama de ordem pessoal, mas tão frequente que até se tornou folclórico: a figura simpática e trágica das “viuvinhas da Madeira”. Quem eram elas?
A Ilha da Madeira sempre foi grande exportadora de recursos humanos. Inicialmente para os Açores, depois para o Brasil, também para outras partes do antigo império colonial luso; Ao longo do século XX, inúmeros madeirenses foram tentar a sorte na África do Sul, na Austrália, no Canadá, nos Estados Unidos ou na Venezuela. Eram jovens que partiam, na esperança de enriquecerem e mais tarde voltarem. Alguns partiam deixando alguma “conversada”, ou seja, uma jovem com a qual já havia combinado futuramente se casar. Mas muitos preferiam casar antes de partir – alvitre preferido pelas próprias moças. Casavam-se então, com todos os ritos, na igreja mais próxima, viviam juntos alguns dias e logo, no primeiro navio disponível, o rapaz partia, deixando chorosa a moça, por vezes já grávida.
Seguiam-se depois os anos, os lustros e as décadas, sem que a pobre moça recebesse qualquer notícia do marido. Muitos deles eram camponeses iletrados, nem sabiam escrever algumas linhas. Às vezes, chegavam boas novas: o rapaz informava que já estava bem instalado e remetia dinheiro, para a esposa ir ao seu encontro. Mas às vezes não chegavam essas notícias. Os anos iam passando e a moça se tornava velha, sempre à espera de um marido distante que talvez nem mais estivesse vivo. Fidelíssimas à memória do marido distante, não se envolviam com namoricos e eram geralmente respeitadas por toda a gente. Foi assim que se constituiu a figura típica das “viuvinhas”, incorporada às tradições e ao folclore da Madeira.
Até hoje, ainda é comum madeirenses ou descendentes de madeirenses ricos, nos Estados Unidos ou no Canadá, colocarem anúncios em jornais da Ilha da Madeira, à procura de possíveis noivas. Tão grande era a estima e a respeitabilidade da mulher madeirense, fiel ao marido mesmo em meio ao maior dos dramas existenciais, que esses ricos, quando desejam casar, é a uma madeirense que aspiram ter como noiva. Vi muitas dezenas desses anúncios em jornais do Funchal, capital da Ilha da Madeira.
Devido à diáspora madeirense, todos nós, que nos orgulhamos de levar sangue madeirense nas veias, temos parentes no mundo inteiro. Fiz há tempos um teste de DNA e meus dados genéticos ficaram registrados, com autorização minha, em um imenso banco de dados. Periodicamente, recebo circulares da empresa que fez o teste, colocando-me em contato com pessoas dos mais diversos países que, pelo seu DNA, são provavelmente meus primos em 4º ou 5º ou 6º grau. Ainda recentemente descobri uma prima relativamente próxima na França, de cuja existência nem suspeitava. Foi não pequena alegria!
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Armando Alexandre dos Santos, licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.
Que interessante essa informação.
Meu avô partiu para o Brasil deixando minha avó e duas tias mais velhas na ilha aguardando o chamado para virem também. Sempre contaram a história que minha avó ouvia todos dizendo que ela nunca mais teria notícias dele, que havia sido abandonada, se tornado uma viuvinha.
Porém eu não sabia que esse era um drama recorrente na madeira, sempre achei que era implicância com ela.
O final da minha família foi feliz, logo se reuniram e continuaram a família em São Paulo. Mas nem imagino tamanha tristeza que as viuvinhas viveram.