Rodolfo Capler
Em 4 de outubro de 2017, na edição 2.250 – ano 50 – nº 40 da Revista Veja, foi publicada o artigo “Essa gente incômoda” do jornalista J.R. Guzzo. O texto de Guzzo fazia uma crítica aberta à elite intelectual do nosso país, que em sua concepção é preconceituosa e intolerante à religião evangélica. Em seu artigo, Guzzo não poupava denúncias àquilo que chamou de “escroqueria aberta”, que segundo defendeu, era a propagação da teologia da prosperidade associada com ofétido casamento entre política partidária e religião, praticados por longos anos em cultos evangélicos Brasil afora. Bastou isso para que as principais lideranças evangélicas do país, à época, se levantassem contra o jornalista e contra a própria Veja. Muitos pastores conhecidos – como foi o caso de Silas Malafaia — acusaram ambos de serem preconceituosos em relação ao segmento evangélico. Fato irônico, para não dizer tragicômico, pois o colunista Guzzo denunciava justamente o preconceito das elites brasileiras aos evangélicos, os quais ele denominou de “gente incômoda”.
O artigo de Guzzo, ainda ecoa em nossos dias com sua cortante lucidez. De fato, há uma grande “escroqueria aberta” não só em muitos cultos evangélicos, como nos bastidores do evangelicalismo brasileiro. A existência da Frente Parlamentar Evangélica (Bancada evangélica) no Congresso Nacional é prova disso. Grande parte das lideranças evangélicas do país estão numa busca desenfreada por um projeto de poder político, o que per se tem máculado a mensagem da fé cristã.
A escroqueria mencionada por Guzzo em seu antigo artigo pode se tornar maior nos próximos tempos. Eu me refiro ao novo código eleitoral que contém dispositivos que protegem a propaganda eleitoral em templos e universidades. O artigo 483 inciso 3 do novo código eleitoral afirma: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão, as manifestações proferidas em locais em que se desenvolvam atividades acadêmicas ou religiosas, tais como universidades e templos, não configuram propaganda político-eleitoral e não poderão ser objeto de limitação”.
O novo código eleitoral, que ainda está sob análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, passou despercebido aos olhos da população. Se aprovado,entarará em vigor a partir de 2024. De qualquer forma a escroqueria do mundo evangélico que não pára de crescer, se tornará mais aberta ainda com a efetividade do projeto. Aquilo que já é feito por meio dos pulpitosem muitos templos, sem nenhum rubor outemor, será realizado com respaldo da justiça eleitoral. Infelizmente, já podemos imaginar o quadro de horror a dominar o cenário religioso a partir de 2024. Aos pastores evangélicos (grupo do qual eu faço parte), cabe a responsabilidade de não capitularem diante dessa imoralidade que poderá se normatizar com o novo código eleitoral.
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Rodolfo Capler, teólogo, pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP e autor do livro “Gearação Selfie” (2021)