Comunidades de favela e a rotina de incêndios

Adelino Francisco de Oliveira

 

Mais uma comunidade de favela em chamas em Piracicaba! Dessa vez foi a Comunidade Pereirinha, que abriga 72 famílias, perfazendo uma população aproximada de 350 pessoas. Situada na região do Bairro São Jorge, a Comunidade Pereirinha revela o drama habitacional que assola a cidade, que já soma cerca de cem comunidades de favela. A questão central é sempre a mesma: qual o projeto que a prefeitura tem para enfrentar o problema da moradia na cidade?

Os moradores assistiram, aflitos e atônitos, seus parcos e simples pertences pegando fogo. Em um incêndio tudo vira cinzas, especialmente em moradias precárias, construídas em base de madeirites e lonas. Felizmente parece que ninguém ficou ferido. Mas muitos perderam tudo, do quase nada que tinham. O que significa ver o seu barraco pegando fogo? Qual o tamanho e intensidade de um sofrimento como esse? Que tipo de dor é essa?

A cidade de Piracicaba é marcada por muitos contrastes. É uma cidade de contradições extremas, refletindo e retratando o Brasil profundo. Condomínios luxuosos fazem fronteira com bairros precários, carentes inclusive de saneamento básico. Lá no Pereirinha, por exemplo, é muito comum a falta de água, de ônibus, de acesso à cultura. O que significa ficar dias sem água na torneira, em um barraco que também não tem caixa d’água? Qual a resposta da prefeitura para essa violação dos direitos mais básicos? Falta água, mas também falta cultura. Apenas distribuir cesta básica de maneira esporádica, definitivamente, não é suficiente. Não constrói cidadania.

Essa é uma situação que já ficou recorrente aqui em Piracicaba. Os incêndios em comunidades de favela estão sendo, paulatinamente, naturalizados. Quase ninguém mais se choca ou mesmo se comove a ponto de exigir ações efetivas por parte do poder público. É a banalidade do mal, que investe contra o senso de cidadania e de sensibilidade social.

A resposta que a cidade tem aprendido a dar fica no nível do imediato, da solidariedade mais espontânea, sem grandes implicações políticas. Aliás, para alguns coletivos que se mobilizam em prol dos desassistidos socialmente, o debate político é quase sempre interditado. Como se a solução para esses graves problemas sociais não passasse, impreterivelmente, pela dimensão da política.

A cidade tem urgência de políticas públicas que enfrentem a questão da moradia. Estão surgindo mais e mais comunidades de favela, em um cenário de total vulnerabilidade habitacional. A comunidadePereirinha pegou fogo. As ações de solidariedade vão surgindo para dar socorro de forma imediata, emergencial. Mas as famílias acabarão tendo que reconstruir seus barracos nas mesmas condições precárias, com a pobreza agravada pela perde de seus poucos bens e utensílios domésticos. O incêndio queima e destrói também os símbolos de uma memória existencial: fotografias, anotações, lembranças de uma vida que luta por reconhecimento, visibilidade e dignidade.

A resposta tem que vir do poder público, da prefeitura. É isso que pede o senso de cidadania. Políticas públicas de moradia, é o que Piracicaba precisa, com urgência. A solidariedade é importante, pois traz alento e amparo imediatos. Mas a solidariedade é paliativa, pois não avança para as transformações estruturais comprometidas com a justiça e o direito. Somente o poder público, por meio de políticas e planejamento, tem condições de trazer soluções definitivas, garantindo o direito social à moradia. A sociedade em seu conjunto precisa erguer a voz e dizer ao poder público que não aceita essa rotina social de incêndios, que pune ainda mais os pobres.

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Adelino Francisco de Oliveira, Doutor em Filosofia. Mestre em Ciências da Religião; professor no Instituto Federal, campus Piracicaba; [email protected]@Prof_Adelino_ ; professor_adelino

 

 

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