Armando Alexandre dos Santos
Tanto a Princesa Isabel como seu esposo, o Conde d´Eu, eram declaradamente abolicionistas; os filhos do casal, ainda meninos, brincavam em Petrópolis redigindo um jornalzinho abolicionista. A Princesa estava desde muito jovem decidida a fazer tudo o que a Constituição Imperial lhe permitisse fazer, para eliminar a vergonhosa chaga da escravidão. Mas ela era, também, muito realista e sabia que esse passo não poderia ser precipitado, e precisava ser preparado com os devidos cuidados, para evitar que o remédio não fizesse mais mal que a doença.
De fato, a Princesa conhecia bem a situação dos negros no Brasil e, com profundo senso de realidade, queria para eles o melhor. O melhor, no caso, não seria uma libertação açodada, mas uma libertação que fosse preparada cuidadosamente e que, depois, fosse acompanhada de medidas adequadas para a inserção condigna dos libertos na sociedade brasileira. Com muita lucidez, a Princesa se colocava diante de um problema muito sério: qual seria o “dayafter” dos negros, uma vez libertados do cativeiro? Habituados a muitos séculos de escravidão, primeiro no continente africano de origem, depois no Novo Mundo, o que lhes aconteceria se de repente se vissem livres e responsáveis pelos seus atos, mas tendo que prover por sua própria iniciativa ao suprimento de suas necessidades? Como se daria a adaptação à vida livre, de quem carregava consigo o peso atávico de uma tão prolongada servidão, ainda mais no contexto de uma sociedade que conservaria costumes e critérios profundamente impregnados da mentalidade escravagista? Como fazer a emancipação total dos escravos, sem prolongar sua triste condição de dependência e subserviência disfarçada sob as aparências de uma liberdade meramente pro forma?
Todo esse conjunto de questões a Princesa tinha bem presente em seu espírito, e em função dele procurava adequar sua estratégia política. O mesmo, aliás, fazia seu pai, o Imperador. A opção imperial pela emancipação por etapas se adequava a essa estratégia. Primeiro, a proibição do tráfico negreiro, em 1850, quando a Princesa era ainda menina de 4 anos; depois, a Lei do Ventre Livre (sancionada pela Princesa em 1871); algum tempo depois, a Lei dos Sexagenários (sancionada pelo Imperador em 1885); e, por fim, a Lei Áurea, que, num clima de grande entusiasmo popular, aboliu definitivamente a escravidão no Brasil. Quando, no dia 13 de maio de 1888, a Princesa assinou a Lei Áurea, os escravos afinal libertados constituíam apenas uma minoria dos afrodescendentes. Somente 16% dos descendentes de escravos aqui trazidos pelo tráfico negreiro, durante mais de 300 anos, ainda eram escravos naquele momento. 84% já estavam emancipados, ou em virtude das leis abolicionistas anteriormente promulgadas, ou por efeito do trabalho emancipador lento, mas constante, benemérito e bem sucedido, das tradicionais Irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, presentes e atuantes em todo o Brasil (e inclusive aqui em Piracicaba);
Uma das táticas desenvolvidas pela Princesa para facilitar a integração condigna e justa dos antigos escravos na dinâmica social e econômica do Brasil foi o incentivo ao ensino profissionalizante, novidade que um sacerdote e educador chamado Giovanni Bosco, lançara alguns anos antes em Turim, no Norte da Itália, e que a Princesa desejou logo pôr em prática no Brasil.
A Princesa tinha uma visão muito “avançada” para sua época. Compreendeu que somente a formação profissionalizante poderia ser adequada para assegurar, aos libertos do cativeiro, uma adequada inserção na sociedade brasileira. E escreveu ao sacerdote de Turim (que hoje veneramos como São João Bosco), pedindo que mandasse missionários para o Brasil e oferecendo-se para ajudar. Houve uma troca de cartas entre o santo piemontês e a princesa brasileira. Atendendo ao pedido de D. Isabel, São João Bosco enviou, em 1881, os missionários Salesianos que iniciaram seu trabalho em Niterói, depois na cidade de São Paulo, em Mato Grosso, em Minas Gerais e muitos outros locais.
O golpe militar de 15 de novembro de 1889, entretanto, impediu a concretização desse plano grandioso. O projeto emancipador da Princesa foi interrompido e ficou sem realização. Não é justo acusar a Princesa de se ter desinteressado da sorte dos ex-escravos, como também não é justo acusá-la pela lentidão com que, no Brasil, foi sendo gradualmente abolida a escravidão. Na verdade, ela fez tudo quanto estava ao seu alcance e, mesmo sabendo que arriscava sua coroa, não recuou diante do sacrifício final.
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Armando Alexandre dos Santos, licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.
Lendo essa matéria,me vejo lendo novamente Barão de Mauá (o maior empresário do império),onde em suas empresas não trabalhavam escravos, porém as outras tinham escravos,travestidos de libertos.
Infelizmente no Brasil os negros/e ou pardos continuam a ser escravizados em várias outras posições… portanto não me venham querer hoje em dia por nós negros como protagonistas de várias atividades, só pra dizer que tudo está acontecendo pra nós… mentira velada pra que nós tentamos ser menos que os brancos dessa “Terra Brasilis”, é muito triste e hipocrisia dizer que somos “iguais”.