Um dia de reflexão e resistência. Assim será o 5º encontro da Irmandade Quilombo Corumbataí, que marcará o sábado (20), dia da morte de Zumbi dos Palmares e Dia da Consciência Negra. O evento, realizado pela Prefeitura de Piracicaba, por meio da Secretaria Municipal da Ação Cultural (Semac), com apoio do Conepir (Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Piracicaba), terá início às 9h, no Parque Histórico Quilombo Corumbataí, em Santa Terezinha, e é aberto ao público.
Na programação estão apresentações de capoeira, palestras, leitura de poema, entre outras ações. A primeira atração será apresentação da Associação Capoeira Quilombo do Corumbataí, às 9h, e a abertura oficial na sequência. O evento segue até às 11h39.
Carlos César de Oliveira, o Cacá, membro da Irmandade, conta que este é o primeiro ano que o grupo formaliza o encontro. “A Irmandade surgiu de um grupo de amigos que, sabendo da existência do Parque Quilombo e de sua história, decidiu se reunir lá no Dia da Consciência Negra para reflexões e como um ato de resistência. Nada melhor que esse lugar para isso”, conta Cacá.
Ainda segundo Cacá, o conhecimento e reconhecimento do Quilombo do Corumbataí (onde hoje está o Parque Histórico) só aconteceu devido aos esforços e pesquisas do professor e historiador piracicabano Noedi Monteiro. “Esse trabalho de pesquisa do professor Noedi e toda essa movimentação, que fez com que o parque fosse denominado como Parque Histórico Quilombo do Corumbataí por meio de projeto de Lei do vereador Pira, também fez com que o quilombo fosse reconhecido também em âmbito nacional”, reforçou.
Uma das participantes do evento será a atriz Eva Prudêncio. Ela fará a leitura dramática do poema Gritaram-me Negra, de Victoria Santa Cruz, em parceria com a filha Maria Eduarda. Para ela, o mês de novembro sugere reflexões, mas é preciso partir para ações práticas. “São incontáveis as cruezas e as dores enraizadas na pele e na alma do povo preto. É dívida impagável. Ainda hoje sentimos na pele e no dia a dia que o país carece de mudanças estruturais e políticas públicas que garantam efetiva reparação, equidade, a sobrevivência com dignidade da população preta. A sociedade brasileira precisa debater essa realidade perversa. De verdade, estou cansada de lidar com ‘gente’ que finge não ser racista, se intitular antirracistas com práticas mantedoras do racismo. Somos resistência, estamos na luta diária, sonhando e trabalhando para um mundo mais justo, mais igual”, ressalta.
NAS ESCOLAS — Ainda segundo Cacá, além de formalizar o encontro, neste ano, a Irmandade e o Centro de Documentação, Cultura e Política Negra (CDCPN) começaram a levar a história e a cultura negra do Brasil e de Piracicaba às escolas, dando suporte à Lei 10639/09, que obriga as instituições a ter esse conteúdo. Para isso, produziram um DVD e infográfico, distribuídos, inicialmente, em duas escolas de Santa Terezinha, a EM João Batista Nogueira e a EE Catharina Casale Padovani.
O objetivo, segundo Lucia Helena Silveira, assessora de Políticas Públicas do CDCPN, é ampliar essa distribuição para outras escolas de Santa Terezinha e dos bairros Balbo e Industrial.
QUILOMBO PIRACICABANO — De acordo com material disponibilizado pela Irmandade Quilombo Corumbataí, a formação do Quilombo Corumbataí, onde hoje é o Parque Histórico, em Santa Terezinha, data de cerca de 1750/1770. Era um quilombo urbano, que ocupava faixa territorial onde hoje se localiza o supermercado Pague Menos e um posto de gasolina, seguindo o curso do rio Corumbataí, constituindo uma das mais nobres resistências negras da região. Havia escravizados em Piracicaba, e não eram poucos para aquela época, perdendo apenas para Campinas e Batatais e com uma população estimada entre 5.000 ou mais moradores.
Segundo o historiador e filósofo Antônio Filogênio Júnior, o local teve a presença de escravizados de origem Bantu, vindos das regiões conhecidas atualmente como Congo e Angola, localizadas na África. A sua existência foi um período importante para análises históricas da presença negra no país e teve um papel altamente significativo, tanto para a comunidade negra no reconhecimento da sua história e atos de resistência, quanto ao reconhecimento histórico do município e da região.
As atividades microeconômicas do quilombo giravam em torno do extrativismo e da agricultura de subsistência (milho, mandioca, cana-de-açúcar e outros produtos), e do intenso comércio com sertanistas e posseiros, que por ali passavam a caminho do sertão de Araraquara e de Goiás, como de mascates, caixeiros e lavradores em trânsito nas proximidades.
O Quilombo do Corumbataí foi extinto em março/abril de 1804 pelo sargento-mor Carlos Bartolomeu de Arruda Botelho, com a ajuda de força militar da Capitania de São Paulo.