Ubuntu: coragem de ser

Camilo Irineu Quartarollo

 

Ubuntu é palavra antiga e uma concepção dos habitantes da África subsaariana, aquela abaixo da linha do deserto do Saara. Esse vocábulo tem origem na língua Zulu, que se traduz “sou o que sou pelo que somos juntos”. Esses povos retiram do meio ambiente a subsistência, “leite de pedra”, vida da secura, com seus animais e família, muitos deles nômades, mas com identidades tribais fortes em meio ao adverso, na prática do Ubuntu, o bem-estar dos outros é também o nosso.

Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, ao que parece praticou em sua política o Ubuntu. Disse ele numa entrevista: “O Ubuntu não significa que uma pessoa não se preocupe com o seu progresso pessoal. A questão é se o meu progresso pessoal está ao serviço da minha comunidade?”

O principal do Ubuntu é a coletividade e o fracasso do individualismo exclusivo, não, porém, da individualidade ou progresso pessoal.

Ubuntu não se pratica pelo êxito pessoal exclusivo. O líder não é melhor que o grupo. Não existe essa tal meritocracia. Não é o Nelson individualmente, mas a milenar cultura da África que fez o Mandela líder. Nem Mamoudou individualmente um herói. Não saíram de uma lâmpada mágica!

Em 2018, Mamoudou Gassama, imigrante Mali, escalou rapidamente a fachada de um prédio em Paris, para salvar uma criança francesa de quatro anos, dependurada do lado de fora. Ganhou a cidadania no país em reconhecimento pela bravura e apelidado de homem aranha. Na sua terra, se necessário, estaria a salvar elefantes de caçadores de marfim ou nanando seu filho na rede ou pescando, como muitos, até que Hollywood criasse algum estereótipo para ele, talvez amigo do Tarzan o do Robinson Crusoé ou mesmo o de homem aranha. Oriundo de um povo sem grandes recursos tecnológicos, prefere-se pinçá-lo da realidade e fazê-loherói midiático, que reconhecer sua cultura humanamente avançada.

Na cidade de Francisco Morato-SP, o jovem Wender Costa, correndo risco de morte, salvou uma criança desconhecida antes de a casa desabar morro abaixo.Semana passada mesmo, na estação do metrô do Anhangabaú em São Paulo-SP, Flávia Alves, filmando e gritando, impede que um homem negro, desconhecido e imobilizado morrapelo famoso e covarde “mata-leão”.

Outros casos como o de uma amiga que entrou com salto alto e roupa de gala dentro de um bueiro e salvou um cãozinho de rua, este presenciei e, assim, casos que seriam anônimos se não aparecessem na mídia.Mendigos, taxistas, populares, devolvendodinheiro, documentos pessoais e coisas de valoraos donos. Ubuntu não é um ato heroiconem espetacular, ainda que em algumas vezes necessário.Sãoações solidárias, quase espontâneas de quem tem essa consciência de retidão, ainda que nunca tenham sequer ouvido falar de Ubuntu.

Ubuntu, mais que o fazer talvez seja a coragem do ser essencial dentro de uma sociedade competitiva e insensível à coletividade.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente, escritor, autor do livro A ressurreição de Abayomi, dentre outros

 

 

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