Terra azul

Camilo Irineu Quartarollo

 

O astronauta soviético Gagarin diante da visão do espaço maravilhou-se: a “terra é azul”.

Qual é a Jornada nas estrelas, a fronteira final, onde nenhum humano jamais esteve em sua vasta solidão e busca de novos sentidos.

Neste século inicia-se o turismo espacial com a estrela da ficção, o capitão Kirk, que sobe aos céus numa viagem insólita na nave Blue Origin. No início do seriado Jornada nas Estrelas, em nossa infância, ouvíamos a bela voz desse ator canadense: o espaço, a fronteira final, onde nenhum humano jamais esteve.

Hoje, na fronteira dos EUA barram crianças e as confinam longe dos pais mexicanos ou brasileiros, mas a estrela Willian Shatner, de noventa anos, nos confunde com o seu personagem Kirk de meados do século XX, jovial e conquistador de planetas exóticos e louras fatais, escapando ao enredo lógico do orelhudo Spok.

No Brasil, foram horas de jornais televisivos para comentar o salto de pulga do velho capitão. Inaugurado o turismo espacial. Faxineiras, nem pensem nisso!

Por uma espiadela do espaço você também pode ir, se pagar um milhão, duzentos e setenta e oito mil, novecentos e vinte e sete reais e cinquenta centavos – não esqueça os centavos. Ou você pode viajar a alguma cidade vizinha onde tenha algum observatório astronômico, talvez até tenham bibliotecas, pinacotecas e, por certo, respeito à cultura e tradições.

Esse garoto propaganda trará novos bilionários para subir aos céus e comentar depois nas saunas e quadras de golfe.

Willian Shatner estava maravilhado ao voltar, o espírito do personagem Kirk ruborizado, emerge, poetando, filosofando: “Espero nunca me recuperar disso. Não quero perder o que eu vi. É tão maior do que estar vivo. Eu adoraria comunicar o momento em que você vê a vulnerabilidade de tudo. É tão pequeno. Esse ar, que nos mantém vivos, é mais fino que a pele, é uma lasca, é inimaginavelmente pequeno quando você pensa em termos do universo”.

Haveria novos mundos? Creio que há muitos mundos aqui mesmo, para serem salvos da fome, miséria, ignorância e tribulações.

Os seriados de ficção não mostravam “novos” mundos, mas mundos não vistos na própria terra, ocultos da propaganda ufanista de humanidade tecnológica e futurista. As contradições de nosso mundo desigual que encontram em “planetas alienígenas” em suas formas de vida alheias à luxuosa Interprise. Mitigação de soluções sem atacar o problema. A tecnologia resolveria tudo?

A terra não é um campo de golfe ou quadras de giz, a fome real do brasileirinho faz doer o vazio do estômago, enquanto a autoestima rebaixada pela carestia ou furto famélico da mãe que vê sua cria à fome. Cadê os programas sociais? O estoque regulador de alimentos? A agricultura familiar? As políticas públicas?

Esta noite no Brasil, quatro milhões e setecentas mil crianças e adolescentes vão dormir com a barriga doendo de fome – vide dados do IBGE.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente, escritor independente, autor do livro As ciladas do Androide entre outros

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