O nome da rosa

Camilo Irineu Quartarollo

 

Ganhei o livro no natal de 1985, como amigo secreto de minha irmã mais nova. Meus olhos brilharam por ler essa obra tão falada na época. Sabia pela sinopse que se passava na baixa Idade Média e falava sobre mortes em série numa abadia, seguindo um rito macabro.

Fui com secura para ver o desenlace e o culpado revelado. Entre os monges alvoroçados corria em alvoroço que as mortes misteriosas eram castigos divinos, mas isso não inibia os curiosos em ler às escondidas um livro proibido. Se lessem morriam pelo simples folhear – o livro antigo, não o romance do Umberto Ecco que ganhei e li.

O nome do livro proibido era A poética de Aristóteles e fala sobre o riso. Cuidado, rsrs.

Abadias eram fortificações altas, encasteladas sobre as cidades, autossuficientes e com poder bélico contra revoltas do povo de baixo. Na época havia movimentos de insurgentes como os dos Valdenses, Dolcinitas e outros.

Essa série de mortes violentas e ignominiosas era uma trama de romance policial instigante numa época de trevas. Vemos a astúcia de Guilherme e Adso, dentro da abadia, por passagens e labirintos secretos da enorme biblioteca, em cuja se escondiam obras mui raras, como depositária do nome da rosa, do poder da palavra escrita.

Havia questões que o autor queria discutir e o fez.

O romance traz a questão da pobreza franciscana e os primeiros signatários do movimento que, embora pacífico, sem armas, foram perseguidos e mortos. O movimento desencadeado por Francisco de Assis não é violento, mas inquestionável, fundamentado nos pilares evangélicos. A dita pobreza identificava-se exclusivamente pela vivência mútua em fraternidades despojadas, não em abadias ou conventos imponentes. Os mendicantes, viandantes, refugiavam-se em cabanas ou em alguma gruta com suas orações, roupas do corpo, ferramentaria de algum ofício, numa regra austera. Era um espelho à pobreza despojada de Cristo.

Anoto algumas questões de fundo, como a antiga misoginia – aversão ao poder feminino – a demonização da mulher, as quais são “usadas” ocultamente por monges de maus bofes. A homofobia e a orientação homossexual de Adelmo, com fim trágico. A negação do próprio corpo, no autoflagelo de Berengário. Entretanto, esse quadro denota o controle do corpo pelo Estado e Igreja, sob o modelo de família romana.

O sexo era questão de estado, religião e família no século catorze. No concílio de Trento, três séculos depois, o celibato monástico é imposto ao sacerdócio católico, evitando o nepotismo e o direito de herança aos filhos se casados fossem.

A libido perturba ainda outros e perpassa pelo século dezoito dos iluministas e continua a amedrontar com a mamadeira de piroca, em pleno século XXI.

No romance de Ecco, Guilherme, pelo uso da lógica dedutiva e inferências afirma que as mortes nada têm de sobrenatural ou inexplicável e está perto de provar. Não vou contar o desenlace, mas na fogueira inquisitória e na sanha preconceituosa, e idiota, queimam-se muitos livros e gente.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente, escritor, autor do livro Crises do filho do meio, entre outros

 

 

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