Camilo Irineu Quartarollo
As sandálias do pescador é um livro de Morris West, cujo romance trazia a possibilidade de um papa russo de nome Kiril. A obra virou filme com Anthony Quinn como o papa russo.
Há muito se pensava num papa da Cortina de ferro, do impenetrável leste europeu comunista, porquanto grupos progressistas católicos aspiravam um papa dos países pobres. A tese vencedora do conclave foi o cardeal da Polônia comunista, Karol Wojtyla. Em visitas papais à sua terra se cantavam o “Queremos Deus”, contra o ateísmo do regime. O partido polonês reagiu, mas era tarde para deter a fissura do sistema e o poder desse “deus”. O sindicato Solidariedade daquele país se fortaleceu e seu prestigiado líder Lech Valessa é eleito presidente, porém com um mandato pífio e rejeição popular, que o fez aposentar-se da política. O antípoda do amigo de Karol no ocidente era o sindicalista e ex-presidente Lula, de centro-esquerda, que mantém força eleitoral até os dias de hoje. Polônia e Brasil hoje mantém o triste paralelismo nos descaminhos da ultradireita, do anarquismo burro.
Em todos os países aos quais visitava Karol Wojtyla fortalecia os laços da fé católica conservadora. Sua pedra de tropeço, entretanto, foi no segundo menor país da América Central, El Salvador, na prática da Teologia da libertação, combatida pela Santa Sé.
Mesmo sem o apoio soviético à Cuba ou à Nicarágua, não houve queda imediata do comunismo nas Américas. Nestes países vê-se um “comunismo” de características nativas, mitigado com a cultura indígena e negra que já viviam de forma comunal e de resistência, de características ancestrais e crenças próprias.
Paulo VI fora sempre receptivo ao arcebispo Romero de El Salvador. Karol Wojtyla não. O arcebispo, devido a audiências negadas, teve de entrar na fila de confissão para falar com o pontífice e, diante de um papa bravo e frio, apresentou pastas dos torturados e mortos, muitos padres, freiras e catequistas. Dizem que são comunistas, Santidade! E não são, respondeu cético o papa.
Em 1980, Romero é executado no púlpito, celebrando. A Sé romana praticamente não se manifesta, quando muito diz que o arcebispo fora um pastor zeloso, para não dizer que fora mártir – morto em defesa da fé. Na turnê pela América Latina, João Paulo II dissera que “o capital tem uma hipoteca social”. Na boca de outro seria “comunismo” ou “contra os empresários”, mas era o papa Karol! Por certo, se depositária da penhora divina, a verdade é o bem maior da Instituição.
Com a renúncia de Bento XVI, principal inquisidor da Teologia da libertação, entra em cena um jesuíta argentino para expurgar a omissão vergonhosa da hierarquia aos escândalos sexuais da pedofilia. Francisco manda prender membros da alta hierarquia, faz cardeais acusados renunciarem e os demite de cargos na Santa Sé, agindo pelo carisma reformador de Francisco de Assis, que não era um santinho ingênuo de cabeça torta.
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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente, escritor, autor do livro Confissões do Cardeal Tosca, entre outros