Adelino Francisco de Oliveira
No contexto da democracia grega a figura do demagogo estava associada à liderança política, que tinha a função de conduzir o povo. O demagogo era o grande orador, com reconhecido dom da palavra, que falava com erudição, porém sem perder o tom da linguagem mais popular, discursando diante do povo, com capacidade de apresentar, de maneira pedagógica, os rumos que a democracia deveria seguir. O demagogo, com sua magnifica oratória, arrebatava o povo, que entrava em êxtase e simplesmente passava a ovacionar o seu grande líder.
O demagogo era aquele que detinha a arte ou o poder de conduzir o povo. É importante ressaltar que no mundo antigo o termo demagogo não contemplava um sentido pejorativo. O demagogo tinha, de fato, um discurso brilhante, envolvente e arrebatador, mas não necessariamente um discurso mentiroso e manipulador. Na linha da tradição sofista, o demagogo sustentava o debate, buscando persuadir o povo com a força de suas argumentações, sempre belamente estruturadas.
Na atualidade, o termo demagogo passou a contemplar apenas um sentido pejorativo, uma severa crítica em relação à oratória de determinados políticos. Chamar um político de demagogo significa acusa-lo de manipulador e populista. O demagogo é aquele que engana, ilude e falseia a realidade, fazendo uso de palavras bonitas e bem colocadas, em um discurso esteticamente bem articulado e cativante. A questão é que o demagogo de hoje não tem nenhum compromisso com a ética, com verdade, nem muito menos com a democracia, sendo capaz de proferir mentiras para obter a aprovação e o apoio popular.
Na história mais recente do Brasil, no âmbito das disputas político-eleitorais, o discurso demagógico alcançou um nível extremo e insuportável, com a disseminação de fakenews, pós-verdades e a irresponsável produção de desinformações. A manipulação e alienação da população se tornaram a grande estratégia eleitoral, colocando em risco as bases da própria democracia. Mas os demagogos de hoje já nem precisam mais contar com o dom da oratória, com o discurso bem construindo e convincente. Vociferam mentiras inconsistentes de maneira grosseira e mal articuladas, bombardeando a população por meio de estratégias de persuasão midiática, utilizando-se das redes sociais e também dos púlpitos.
Falar a linguagem do povo não significa empobrecer o discurso, redundando em pronunciamentos demagógicos, como se o povo não fosse capaz da análise e da reflexão. O discurso mais denso e elaborado tem como perspectiva a interlocução qualificada com a população, reconhecendo sua plena capacidade de compreender a realidade e o sentido das análises mais verdadeiras, éticas e profundas. Os demagogos seguem desrespeitando o povo, duvidando de sua capacidade crítica, forjando situações para perpetuar dinâmicas de manipulação e exploração.
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Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba; Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; [email protected]; @Prof_Adelino_; professor_adelino