Rodolfo Capler
Há cinquenta anos, não era muito comum encontrar multidões de pessoas solitárias. Naquela época, a dor de se sentir-se só era gerada por distanciamento geográfica, perda física de algum ente querido ou por alguma situação de aprisionamento ou exílio. Já nos dias de hoje, sentir-se solitário é coisa normal. Por conta da superficialidade que predomina os relacionamentos interpessoais, é muito comum – sobretudo nas grandes megalópoles como São Paulo -, tocar e se esbarrar em pessoas, sem contudo conhecê-las. Uma ótima referência para esse padrão é a realidade de um transporte público coletivo. Ali, pessoas se espremem e se esbarram, sem nenhum tipo de sensibilidade afetiva.
Com advento das redes sociais on-line, entramos num processo de “massificação da solidão”. Hoje, podemos afirmar que a solidão não é apenas uma realidade individual, pois ganhou contornos plurais – tornou-se um fenômeno que alcança as massas.
Esse tipo de solidão nos leva a vivenciar uma realidade que eu costumo chamar de “encaramujamento da alma”. A nossa alma se fecha em si mesma, e assim, nos afastamos de Deus, do próximo e de nós mesmos. Pouco a pouco, vamos nos tornando como bonecos de cera; esboçamo sorrisos plásticos, enquanto estamos com os corações endurecidos pela experiência do sentir-se só. Lamentavelmente, esse é o quadro trágico no qual nos encontramos coletivamente. Parafraseando o roqueiro Frejat, a solidão tornou-se a nossa amiga do peito…
Quando eu olho para essa triste conjuntura, inevitavelmente me vem a mente os relatos bíblicos que realçam a forma como Deus lida com o ser humano abandonado e solitário. Deus sempre se revelou às pessoas solitárias como o grande amigo que lhes faltava. Foi assim com Moisés, quando este se encontrava sozinho e sem perspectiva na terra de Midiã. Deus colocou sob sua presença, Zípora e seu pai Jetro. A divindade manifestou sua presença confortadora a José por meio de um copeiro e de um padeiro, que estavam presos com ele numa masmorra. Deus se fez presente na vida do jovem Davi, quando o temível rei Saul o perseguia. Jonatas – o filho de Saul, seu perseguidor -, era quem o confortava em meio a sua solidão.
Do mesmo modo, Deus continua a manifestar a sua presença na vida de todos aqueles que se sentem solitários. Porém, ele sempre o faz por intermédio de outras pessoas. Pode ser que você esteja clamando pela presença confortadora de Deus, ou esteja questionando a sua presença neste mundo pós-pandemia. Saiba: Deus está tentando aniquilar a sua solidão por meio das pessoas que estão perto de você. Aproxime-se delas!
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Rodolfo Capler, teólogo, pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP; e-mail: [email protected]/Instagram: @rodolfocapler