O quarto palhaço

Camilo Irineu Quartarollo

 

Este texto guarda minha reflexão particular, por isso dei o título ao texto de o quarto palhaço. Não confundir com o nome da peça teatral e objeto desta abordagem.

O Andaime traz uma peça atualíssima intitulada QUEM MORREU? No enredo, três palhaços idosos a velar um caixão lacrado de outro palhaço, quem será? A confusão está feita, cujas perguntas vêm aos vivos, quem morreu? Saponga? Pepino? Albredo?

Merece aplausos o projeto, a dedicação e o trabalho de palco desses três monstros do nosso teatro interiorano, Chapéu, Jerônimo e Abegão. Desta vez foi num palco virtual, e tão bem feito que a contracena não deixa de fora o expectador de cá do monitor ou celular. A peça vai nos pondo na história, do lado de lá da janela, e criando o efeito de trocas de energia, à catarse da pandemia confinadora.

Na contingência virtual, a peça tem esse fôlego de transpassar a tela e nos tocar direto em nossa existência. Essa abordagem dialogada é enriquecedora, pois uma peça nunca termina, mesmo quando se abaixam as cortinas – ela continua na nossa cabeça, nos nossos afetos. A peça Quem Morreu? foi feita para o presencial, para múltiplas reapresentações nos mais variados palcos e contextos. O teatro é sempre atual.

Com atores veteranos de coxia e palco, a peça consegue falar ao mundo dos vivos e exorcizar a tristeza e a saudade. Olhando com mais acuidade percebe-se por trás da peça a sofisticação do trabalho, aparentemente simples. O grupo lançou mão de tudo ao alcance dele para fazer o melhor, e fez. Do projeto, inicialmente para o palco, mas em exibição em plataforma digital contou com bons profissionais, conhecedores do mundo da informática e linguagem teatral como Esio Magalhães, Carlos ABC, Tiago de Luca, Bruna Epifhaneo, Robson Peqnoh, Saulo Ligo, Ariane Martins, Nabor Nunes, Marcos Abreu e Francisco Araújo.

O palhaço é figura central, um arquétipo de nossas relações desde a infância. A alegria é transformar o mundo, desentristecer, encantar e fazer o momento melhor diante de todo mal dessa pandemia.

No traslado do corpo, os três palhaços carregam o caixão do desconhecido (ou do quarto palhaço) e, na falta de alguém para segurar a quarta alça, Albredo nos encoraja com um sinal de cabeça a carregar também.

A peça em plataforma virtual usa de meios sutis, joga com a Gestalt, ao final põe o espectador dentro da peça para o momento derradeiro da vida. Muitos não esquecerão a carranca de um morto, mas se este for um palhaço? Somos chamados a segurar o caixão e, leitores (as), pode ser um dos nossos quem parte ao túnel de luz no limiar da morte, através do umbral. A dúvida persiste, mas quem morreu? Não sabemos, mas novos ciclos vêm e vão, os palhaços são eternos.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, autor do livro A ressurreição de Abayomi entre outros

 

 

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