Pelas barbas de Caxias

Camilo Irineu Quartarollo

 

Em 1870, Solano López é encurralado e se lança a cavalo contra os soldados adversários gritando “Muero com mi pátria!”. O lanceiro Chico Diabo perfura o seu ventre com uma lança, outro lhe acerta a testa com um sabre e López ainda tenta atravessar um riacho, mas exangue cai, está quase sem sentidos, brande a espada às cegas e um tiro pelas costas o mata. Morto se tornou um troféu, decepam-lhe a orelha, outro lhe extirpa um dedo, ainda outro o couro cabeludo e, por fim, com uma coronhada na boca lhe tiraram os dentes. O cadáver foi chutado, cuspido pela soldadesca antes de o entregarem à família e à história. A guerra findara, o Paraguai estava destruído num cemitério a céu aberto. O antigo ódio aos indígenas guaranis recrudesceu como inimigos do império brasileiro, como a muitas etnias selvagens das américas acossados para a mata adentro e, destes e dos espanhóis, surge o Paraguai.

O velho, idoso e cansado Caxias – incansável, sagaz, mas não jornalista — deixara o ditador López seguir às cordilheiras em 1868 e reagrupar a tropa. López encontra-se com Mitre por cinco horas, mas o tratado tríplice contra o Paraguai lhe é inaceitável: a destruição total. Julio J. Chiavenato fala de cláusula secreta.

Lima e Silva é acusado de liberar o ditador em razão da irmandade maçônica com López, entretanto não há nenhuma evidência de que “El Mariscal” o fosse. Caxias retorna da guerra como um Pilatos, lavando-se do sangue inocente na Bacia do Prata, deixando um exército treinado e vitorioso em Assunção. À destruição, não – isso é obra de D’eu, o conde. As barbas brancas de Caxias dizem mais que um sabre desembainhado. Aos sessenta e cinco anos, ao se retirar do comando é acusado de favorecer seus soldados que houvera constituído de voluntários forçados da pátria, dando-lhes licenças, gratificações e promoções. Não haveria vitória sem a preparação de Caxias por um ano em Tuiuti, cujo lugar histórico se tornou uma cidade com banco, bar, barbeiros e casa de diversão às portas da Fortaleza inimiga de Humaitá, separada pelo charco que Caxias fez ultrapassar e se estabelecer na retaguarda dos adversários, os quais julgavam a região pantanosa intransponível.

Lima e Silva honrou a farda por méritos próprios. Foi perseguido politicamente por reconhecer direitos aos soldados. Acusado de roubo de mulas e bestas, cujos animais usara tão-somente para trazer seus pertences pessoais do campo de guerra. Até hoje a expressão “um caxias” é de uma pessoa obstinada. Na verdade, Lima e Silva vai ser reconhecido historicamente mais tarde, após sua morte.

López ainda hoje é celebrado em todo o Paraguai com monumentos e nomes de localidades, um herói. Quanto menos se sabe de uma personalidade maior a imagem boa ou ruim que dela se faz. Lá como aqui há sombras históricas, mortos insepultos e esperanças na caixa de Pandora.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente judiciário, escritor, autor de A ressurreição de Abayomi, entre outros

 

 

 

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