Suspensório verde e amarelo

Camilo Irineu Quartarollo

 

O Brasil vivia um suspense libertário no século XIX. Tivemos o Dia do Fico, pela famosa decisão “se é para o bem de todos e a felicidade geral da nação, digam ao povo que fico”.

O jovem Pedro fazia política à portuguesa, de concessões ou jogos práticos das negociações palacianas e visitações às províncias. Soube-se que no dia do Grito do Ipiranga o príncipe não ficou no Rio de Janeiro, pois estivera em Santos, em visitas.

No sete de setembro de 1822, D. Pedro subia do litoral, por caminho que Anchieta fazia a pé, mas um príncipe não subiria de Santos sem uma boa mula. Nas curvas da estrada de Santos não iria mais parar, exceto por alguns incidentes gástricos.

A imagem que temos da Independência brasileira é a idealizada pelo quadro de Pedro Américo, épica. A independência política foi duramente negociada com os ingleses e portugueses, a cujos o Brasil teve de pagar e fazer concessões diplomáticas – não foi somente um grito de herói e sim de muitos ais ressentidos. Foi dramática e quiçá tragicômica.

Em 1888, ou seja, no tempo de D. Pedro II idoso, o pintor Pedro Américo pinta a cena “histórica” do chamado grito. No quadro épico o personagem Pedro a caráter com a espada desembainhada em meio aos estrugidos e gritos dos cavalarianos. Uma moldura mais grossa esconderia o candeeiro negro que desce assustado ao riacho, esgueirando-se do tropel com seu carro de boi pesado. De fora, de penetra, do populacho alheio, saindo vazado da cena, o condutor de bois denota a participação do povo na política luso-brasileira.

Quem encomenda o quadro e faz sua imagem é o filho. Pedro II, o nobre filho de Leopoldina é retratado como um senhor de barba espessa, já o pai é o herói moço, que no dia fatídico estava, na verdade, com piriri e montava uma mulinha pela trilha íngreme.

A independência do Brasil, exclusiva às classes dominantes, da qual não chegou às senzalas qualquer benefício. O dia do Fico e o Grito do Ipiranga nem chegaram aos ouvidos da classe servil desprezada. O país era um foco de preconceitos. Havia trilhas para negros, pardos e brancos e igrejas privativas aos brancos, pardos e negros!

Independência ou morte de quem? Curiosamente, o livro de Julio José Chiavenato intitulado Genocídio Americano: A guerra do Paraguai, diz que Francia, primeiro presidente do Paraguai em 1811, resumiu seu bordão de Ordem e progresso de forma pioneira no lema “Independência ou morte”. Ora, se o imperador a achou cabível, que importa? Para consolidar a implantação do império brasileiro houve batalhas campais sufocadas e, na esfera política, desportuguesando. Por fim, Pedro põe a coroa sobre a própria cabeça antes de algum aventureiro lançar mãos dela.

A independência, ou o seu gabo patriótico, não livrou o Brasil da miséria, fome e preconceitos, de uma política de gastos e privilégios à imagem de um suspensório que jamais aperta a barriga dos abastados.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente judiciário, escritor, autor de A ressurreição de Abayomi

 

 

 

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