Alexandre Bragion
“A poesia está guardada nas palavras” – escreveu o poeta das coisas ínfimas do chão, Manoel de Barros. A esses versos eu me atrevo acrescentar o substantivo “força”. Para mim, a poesia está guardada na força das palavras. E, seguindo com Manuel de Barros em seu “Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo” (de 2001), me irmano – humano e discreto – ao poeta quando o leio, em seu caráter reto, sentenciar: “poderoso para mim não é aquele que descobre ouro/
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias”.
Por isso, e lendo o poeta pantaneiro, entendo que os falsos poderosos – aqueles que se acham investidos de um poder cafona, efêmero e ilusório – são, no frigir das decepções, somente tolos serviçais da força da grana que – como cantou outro poeta – ergue e destrói coisas belas. Por outro lado, fato também é que nós, os artistas (e aí me refiro àqueles que realmente o são em essência de realidade e desejo libertário) – diferentemente dos “brega-poderosos” – não nos vendemos. E, também por conta disso, somos tantas vezes chamados de mentirosos, de tolos ou de imbecis. Aí, me vem à mente, novamente, Manoel de Barros a irrigar a alma e a consciência: “Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil./Fiquei emocionado./Sou fraco para elogios.”
Ah, Manoel de Barros que não sou, que nem de longe ouso invejar! Na última sexta, confesso ao poeta (que hoje habita os céus estrelados do seu Pantanal de poemas e versos) me chamaram de mentiroso – só porque defendi, na minha cidade, o patrimônio cultural que é o prédio da nossa Pinacoteca. Fiquei emocionado. Como o poeta da gramática expositiva do chão, também sou fraco para elogios. E ainda mais emocionado fiquei ao ver que, ao meu lado, no texto que me chamava de mentiroso, também assim eram chamados duas imensas entidades das letras piracicabanas: o gingante jornalista e escritor Cecílio Elias Netto (de quem, diante da grandeza, nada preciso contar) e o fenomenal e sempre bravo jornalista Evaldo Vicente (diretor-proprietário deste que é, há décadas, sem dúvida alguma, o mais plural e piracicabano matutino de Piracicaba). De quebra, também estrelou o rol dos mentirosos o vereador Pedro Kawai – homem público de reconhecida educação, generosidade e cultura (Pedro morou dez anos em Tóquio!) e que segue (nada menos) em seu terceiro mandato – ao que pese ser ele do PSDB (brincadeira minha Pedro, piada que aqui faço entre nós, os mentirosos, para deixar esta crônica sempre mais leve).
Retomando Manoel de Barros, dito é que, guardadas nas palavras, a poesia e a sua força ainda são capazes (como raro outro instrumento), na pena dos “mentirosos,” de defender ideias e ideais, de salientar (im)possibilidades, de apontar desastres, de registrar para a história os atentados cometidos por aqueles que se acham os donos da verdade e querem intimidar a arte, a imprensa e a própria poesia – e como registrar tais ações incomoda a muita gente! Porém, contra esses, nós, os mentirosos (é bom que se diga) estaremos sempre aqui – prontos para traçar o desenho opaco dos que se arvoram a conduzir sozinhos as potencialidades sociais (humanas e culturais) a seu bel e tacanho prazer. Sim! Registrando para a história a pequenez dos que se acham poderosos, nós – os mentirosos – estaremos sempre aqui. E não somos apenas cronistas da escrita, jornalistas, poetas da palavra, não. Somos uma imensidão de mentirosos! Somos pintores e pintoras, escultores e escultoras, atores, atrizes, músicos, fotógrafos, fotógrafas, bailarinas e bailarinos e tantos e tantas em sua convulsão maravilhosa de gêneros (múltiplos, híbridos), de cores, tamanhos e belezas que mal consigo descrever. Somos uma explosão de mentirosos e mentirosas! Somos e seremos sempre assim, deliciosamente mentirosos e mentirosas, se a verdade for o que a (des)força do poder agora diz ser.
Então, (evoé!) fazendo arte – e de olhos nos burocratas da cultura de todos os lugares, nos tecnocratas neoliberais dos grandes acordos, nos tratores destruidores do patrimônio cultural material ou imaterial de qualquer cidade, estado ou país do mundo – despejemos a nossa poesia no universo, fazendo vibrar no ar a força guardada nas palavras, nas cores, nos movimentos, nas imagens e nas linguagens. Evoé! Mentirosos e mentirosas do mundo, uni-vos! É tempo! Afinal, e como já sabemos e saberemos sempre – e retomando também o que escreveu outro poeta do amor pela arte e pela vida, Mário Quintana: eles (os poderosos) passarão, nós (os mentirosos) passarinho(s).
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Alexandre Bragion, cronista mentiroso de A Tribuna Piracicabana, desde 2017.