Rodolfo Capler
No filme iraniano “A caminho de Kandahar” (2001), vemos o modo truculento como as mulheres afegãs foram tratadas durante o governo Talibã no Afeganistão no período de 1996 a 2001. Baseado na biografia de Nafas (Nilaufar Pazira), mulher nascida na Índia e filha de pais afegãos, o longa descreve a sua crise ao ter de voltar do Canadá para a terra de origem de seus pais, após a subida do Talibã ao poder. Nafas retorna ao Afeganistão com a missão de impedir o suicídio de sua amiga de infância que se encontra perplexa com as imposições do regime fundamentalista islâmico.
Feito de forma clandestina, “A caminho de Kandahar” é um filme político e altamente crítico, que denuncia as inúmeras violações dos direitos humanos feitas pelo Talibã em relação às mulheres afegãs. A produção é um bom ponto de partida para entendermos os efeitos nocivos experimentados pelas mulheres do país em decorrência da retomada do poder pelo Talibã, no último domingo (15.08).
Guiados por uma visão de mundo patriarcal que tem o Islã como fonte de todas as suas ações, o Talibã vem estabelecendo medidas restritivas de comportamento para as mulheres e cidadãos em geral, desde que assumiu o controle do poder. Conforme noticiado por grandes veículos de imprensa internacionais, imagens de publicidades com fotos de moças foram retiradas das lojas de Cabul e estudantes universitárias foram recriminadas, sendo impedidas de frequentarem à universidade.
A atual ação do Talibã assemelha-se ao que ocorreu no último período de domínio do grupo, entre os anos de 1996 a 2001, quando mais de 29 proibições foram impostas às mulheres, incluindo não trabalhar fora de casa, a desautorização do uso de cosméticos, e a imposição do uso da burca e do hijab. Aliás, a volta do hijab (vestimenta feminina recomendada pela doutrina islâmica) foi a proscrição ilustrativa da opressão que sobrevirá às mulheres afegãs. Na manhã da última segunda-feira (16.08), a correspondente internacional da CNN no Afeganistão, a inglesa Clarissa Ward, apareceu vestida com um hijab durante uma transmissão ao vivo. A imagem viralizou no mundo todo e chamou a atenção da comunidade internacional para o que está ocorrendo com as mulheres afegãs.
Diante dessa situação deplorável, seria cômica se não fosse trágica, a atitude de determinadas alas mais progressistas no Brasil. Em nome do anti-imperialismo norte-americano o PCO (no último sábado) comemorou a ascenção do Talibã ao poder no Afeganistão. Traindo o espírito ideológico que fundamenta sua história, o partido se coloca em concordância com as violações dos direitos sociais das mulheres afegãs e em favor de um grupo terrorista que trabalha em associação com AL-Qaeda
Como bem sabemos não é prudente justificar o injustificável ou se calar diante de injustiças. Tampouco, é saudável subverter o padrão social de moralidade ou relativizá-lo, conforme fez o PCO em seu pronunciamento. Assim, tanto a ação despótica do Talibã, quanto o posicionamento injustificável do PCO são verdadeiros acintes à democracia, à liberdade e à dignidade humana em todo o mundo. Como muito bem expressou Martin Luther King Jr., pastor batista e ativista negro estadunidense: “A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo lugar”.
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Rodolfo Capler, pesquisador, teólogo e escritor; e-mail: [email protected]/Instagram: @rodolfocapler