Euclidia M. B. L. Fioravante
A pandemia de Covid-19 tem evidenciado muitas desigualdades no Brasil. Em 2020, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) alertou para a aceleração do crescimento de números de pessoas em situação de rua no Brasil a partir de março de 2020. O impacto desse crescimento tem feito com que alguns setores da sociedade cobrem ações rápidas com o objetivo de retirar essas pessoas das ruas. Entretanto, é preciso tomar cuidado para não cairmos em ações imediatistas e simplistas. É importante destacar que a população em situação de rua brasileira é muito pobre, com vínculos familiares interrompidos ou fragilizados, que, em sua grande maioria, tiveram uma série de direitos violados e estão em uma situação de extrema vulnerabilidade social.
Até os anos de 1990, as pessoas que ficavam nas ruas eram vistas a partir da ótica da “caridade” por meio, principalmente, da atuação de organizações religiosas; ou como um “problema da polícia”, com a prisão dessas pessoas, ação esta baseada na lei de mendicância, revogada em 2009. Não existiam políticas sociais específicas destinadas àqueles que estavam na rua como local de moradia e/sustento, nem para os migrantes que buscavam melhores condições de vida.
A Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica da Assistência Social, a criação do Sistema Único da Assistência Social (Suas), forneceram a base de importantes avanços para a consolidação de políticas sociais voltadas a essa população. Em 2009, foi criada, pelo Governo Federal, a Política Nacional para a População em Situação de Rua. O objetivo foi criar as condições para promover o acesso das pessoas em situação de rua aos programas e ações setoriais nas diferentes áreas: Assistência Social, Educação, Saúde, Habitação, Emprego, Renda, Segurança.
Em Piracicaba, a estrutura da assistência social de atendimento direto das pessoas em situação de rua é composta por: Serviço especializado em Abordagem Social; Centro Pop; Albergue Noturno para migrantes; Casa de Passagem e Acolhimento Institucional. É fundamental que a política e os serviços ofertados para a população em situação de rua não se ampare em pontos de vista racionalistas e tecnicistas, focados em visões parciais dos problemas. A pressão feita por setores economicamente privilegiados da sociedade, muitas vezes podem fazer com que as ações articuladas pelo poder público resultem em formalismos ou estetismos que desconsideram as dinâmicas relacionais que orientam a produção dos espaços urbanos.
Para romper com essa dinâmica, é fundamental trazer para o campo de discussão aqueles habitantes que trazem consigo experiências, usos e apropriações que não se encaixam em eventuais enquadramentos tidos como legítimos – aqueles que muitas vezes são apresentados como “indesejáveis”, como causadores da “desordem”, por contrariarem as estratégias que permeiam determinadas pretensões político-urbanísticas.
Dado o caráter estruturante e intersetorial de tais demandas, a Smads criou, em abril deste ano, e está coordenando o Comitê PopRua de Piracicaba, que será composto por nove pastas do poder público e nove representantes da sociedade civil. Além disso, com o objetivo de entender a fundo o perfil desse público e suas principais necessidades, para que as evidências mostrem os caminhos que gerarão resultados positivos, está sendo realizado o Censo da População em situação de rua de Piracicaba.
A situação de “invisibilidade” dessas pessoas deve ser mudada. Considerar essa população apenas como um problema e não olhar para ela sob outras perspectivas é muito triste e não transformará a realidade da vida dessas pessoas e da sociedade. É preciso, aliás é fundamental, que eles sejam atores participantes na discussão, integrem o Comitê Pop Rua e possam ter voz em outros espaços de discussões democráticas. Afinal, essas pessoas são sobreviventes de processos de soterramento de sua imagem e que, de tempos em tempo, surgem, como vaga-lumes para nos mostrar como somos desiguais.
As pessoas que vivem nas ruas, enquanto sujeitos de direito que não se fixam, desafiam uma gama de espaços por meio de seus usos, o que contribui, no limite, para fortificar a dimensão pública da cidade. A aspiração de retirá-los das ruas, de confiná-los em espaços delimitados, não resolverá o “problema” do viver na rua. É preciso reconhecer os diferentes tipos de existências da cidade e promover uma melhor qualidade de vida para a população garantindo que, as pessoas em situação de rua, tenham seus direitos garantidos.
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Euclidia M. B. L. Fioravante, secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social