Tijolo com tijolo

Alê Bragion

 

Ao Mestre Chico – inspiração e profecia.

Vou voltar, sei que ainda vou voltar para o meu lugar – foi lá – e é ainda lá que eu hei de ouvir cantar uma sabiá, o meu sabiá. Pensou que eu não vinha mais, pensou? Cansou de esperar por mim? Acenda a refletor, apure o tamborim. Quem me vê sempre parado, distante, garante que eu não sei sambar. Tô me guardando pra quando o carnaval chegar. Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem dera gritar. Tô me guardando pra quando o carnaval chegar!

Não se afobe não que nada é pra já. Amores serão sempre amáveis. Futuros amantes, quiçá, se amarão sem saber com amor que um dia eu deixei pra você. Já lhe dei meu corpo, minha alegria. Já estaquei meu sangue, quando fervia. Olha a voz que me resta. Olha a veia que salta. Olha a gota que falta pro desfecho da festa. Não se afobe não, que nada é pra já. Amores serão sempre amáveis. Ah, se já perdemos a noção da hora. Se juntos já jogamos tudo fora… Não se afobe, não. Tô me guardando pra quando o carnaval chegar.

Dei pra maldizer o nosso lar, pra sujar teu nome, te humilhar. E me vingar a qualquer preço, te adorando pelo avesso… Se eu só lhe quisesse bem, talvez fosse um vício a mais, você me teria desprezo por fim. Sem carinho, sem coberta, no tapete atrás da porta, reclamei baixinho… Vou voltar, sei que ainda vou voltar. Quero ficar no seu corpo feito tatuagem, que é pra te dar coragem pra seguir viagem quando a noite vem. Quero ser a cicatriz risonha e corrosiva – marcada a frio, a ferro e fogo em carne viva.

O meu amor tem um jeito manso que é só seu. Eu penso em você night and day. Explica que está tudo okay. Eu só ando dentro da lei. Eu quero voltar, podes crer. Eu vi um Brasil na TV! Não dá pra falar muito, não… Capaz de cair um toró! Estou me sentindo tão só, ó tenha dó de mim! Tenho saudades de nossa canção, saudade de roça e sertão, bom mesmo é ter um caminhão, meu amor! Assim que o inverno passar, vou voltar, sei que ainda vou voltar.

Já conheço as pedras do caminho e sei também que ali sozinho eu vou ficar tanto pior, o que é que eu posso contra o encanto desse amor que eu quero tanto e nego tanto e evito tanto e que, no entanto, volta sempre a enfeitiçar –com seus mesmos tristes velhos fatos que num álbum de retratos teimo em colecionar. Ah, se na bagunça do meu coração, meu sangue errou de veia e se perdeu. Oi, coração. Não dá pra falar muito, não. Eu trago o peito tão marcado de lembranças do passado e você sabe a razão.

O que será que será que andam suspirando pelas alcovas, que andam sussurrando em versos e trovas, que andam combinando no breu das tocas? Que anda nas cabeças, anda nas bocas. Que andam acendendo velas nos becos. Que estão falando alto pelos botecos. Que gritam nos mercados que com certeza – o que será que será? Por que beber desta bebida amarga, calar a dor engolir a labuta? Não chore ainda não, que eu tenho a impressão que o samba vem aí. É um samba tão imenso que eu às vezes penso que o próprio tempo vai parar pra ouvir!

Agora, era fatal que o faz de conta terminasse assim – bye bye Brasil! A última ficha caiu? Dormia a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações. Bye bye Brasil. Eu penso em você night and day. Não se afobe, não. Manhã parece, carece, de esperar também para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém. Vou voltar! Não chore ainda, não. Vai passar! Ora se vai! O sanatório geral vai passar! Nossa pátria mãe tão distraída, o meu amor… Vem, me dê a mão, a gente agora já não tinha medo.

Vem! A última ficha caiu.

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Alê Bragion, doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp, editor do portal Diário do Engenho e cronista desta Tribuna desde 2017

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