O elefante brasileiro

Camilo Irineu Quartarollo

 

Em A viagem do elefante, Saramago conta a peripécia desse paquiderme até chegar ao destino. O elefante em viagem de Portugal a Áustria atraía multidões, curiosos, admiradores, crianças até chegar ao destino. Ao morrer suas patas dianteiras são curtidas e postas na entrada do palácio transformadas em recipientes para guarda-chuvas, bengalas e bastões, simplesmente, cuja trajetória será evidentemente esquecida, exceto por quem vê nas patas o que havia sobre elas e que Saramago tão bem escreve.

Na era Collor, anos noventa, o governo veiculava propaganda de um elefante na sala com uma linguagem que exagerava o tamanho do estado brasileiro, usando bem a semiótica – o então candidato se dizia o Caçador de marajás, hoje é senador mesmo.

O problema real, entretanto, foi a inflação que num mês desvalorizou a moeda em oitenta por cento! O eleito não tinha plano econômico definido, tirou um do colete usando de frases contundentes, tais como derrubar a inflação de um golpe de ippon, jargão do judô, ou com uma bala de prata – para ele era “tudo ou nada”, a inflação tinha de ser debelada com um tiro só. Assim fez aquilo que disse do outro candidato, em campanha. O plano Collor confiscou a poupança e contas correntes dos brasileiros.

Collor decaiu da presidência por impeachment. Subira rápido, apareceu na mídia com os predicados da juventude e de renovação, garoto-propaganda da modernidade, se elegeu e caiu como balão e seus factoides.

A política atual se ressente da democracia ameaçada. Os ministros e secretários carecem do serviço público para executar políticas de governo, gente de carreira que já conhece os assuntos de estado. Entretanto, vemos negociações feitas em botecos, por atravessadores. Tais negociações deveriam ser oficiais, mas acabam feitas sem o carimbo e a conferência fleumática de um servidor. Coube à imprensa divulgar dados que deveriam ser oficiais e públicos. A contagem dos mortos da Covid, por exemplo, é feita pelo Consórcio de veículos de imprensa e não pelo governo.

O esvaziamento das instituições governamentais e do servidor de carreira experiente leva-nos a um Brazil de chutes, sem confiabilidade, um país mal visto no mundo, de péssima diplomacia e reputação. O instituto da estabilidade consagrado na Constituição manda ao servidor estável não cumprir, e recusar, ordem manifestadamente ilegal. Veja-se o servidor que bloqueou a compra irregular de vacinas da Covaxin. A virtude nem sempre é reconhecida, mas o vício. Acredito que esse “elefante brasileiro” é saudável e necessário para impedir a instrumentalização das instituições por grupos oportunistas ou esquemas mafiosos.

Enfraquecer o servidor, o M.P., a polícia federal, o Coaf e outros órgãos de regulação e poder estatal é expor o estado a possíveis aventureiros. Esses conarcas concursados podem manter o elefante com a memória, registros e proteção do Estado dentro da lei e da Constituição.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, autor do livro A ressurreição de Abayomi, dentre outros

 

 

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