De Clóvis a Carlos Magno

Armando Alexandre dos Santos

 

Nos séculos que se seguiram à queda do Império Romano do Ocidente, ocorrida no ano 476, foram sendo formados e/ou reformados os costumes das populações europeias, a partir de um amálgama étnico-cultural muito diversificado. Isso se deu sob o influxo da Igreja Católica, a única instituição que sobreviveu às invasões bárbaras (e até se fortaleceu com elas) e continuou atuante, por meio dos Bispos e, sobretudo, dos seus mosteiros em torno dos quais tendiam a se constituir aglomerados populacionais. Formaram-se assim diversos reinos, nos quais foram sendo gradualmente eliminados os restos de paganismo e de arianismo.

O arianismo foi condenado como herético pela Igreja, no Concílio de Niceia (325), porque negava o dogma da Santíssima Trindade e a divindade de Jesus Cristo. Essa doutrina foi pregada inicialmente por Ário de Alexandria (256-336), cujos ensinamentos, embora condenados oficialmente, tiveram larga expansão e chegaram a dominar alguns povos bárbaros do Norte da Europa, Godos, Ostrogodos e Visigodos, sendo extirpadas com muita dificuldade pela ação da Igreja.

Especial importância tomou na Europa a França, pela sua posição geográfica central e pelo prestígio que lhe vinha do fato de ser o primeiro reino cristão do continente estabelecido após a queda do Império Romano do Ocidente, se tornou uma espécie de braço político e militar a serviço da Igreja e dos Papas.

Os Merovíngios, descendentes do rei Meroveu, dos Francos Sálios, que viveu em meados do século V e foi avô do rei Clóvis (o primeiro de sua dinastia que se fez batizar), reinaram na França até meados do século VIII. Ainda não era hereditária e por primogenitura a autoridade régia, de modo que cada vez que morria um rei, seus domínios ou eram divididos entre os filhos, ou eram disputados em guerras civis. Mesmo com esse fator altamente desfavorável, a dinastia dos descendentes de Clóvis foi pouco a pouco estendendo seus domínios, que chegaram a abranger quase toda a área atual da França e da Bélgica, mais partes da Alemanha e da Suíça. Nos últimos tempos, porém, os reis dessa dinastia acabaram assumindo funções meramente protocolares e quase honoríficas, sendo o governo de fato exercido pelos Prefeitos do Palácio (designados, em latim como magistri palatii, mestres do palácio, ou majores domus, maiorais da casa ou mordomos), que eram, na verdade ministros todo-poderosos, enquanto os reis nada faziam, pelo que foram mais tarde designados pela historiografia como “les rois fainéants” (os reis que nada fazem).

A função de Prefeitos do Palácio foi exercida, durante mais de 50 anos, por uma poderosa família nobre, a dos Pepinídeos, que praticamente se constituíram numa dinastia que de facto e quase ditatorialmente, governaram o reino. Um dos elementos mais importantes dessa linhagem foi Carlos Martel, que em 732 derrotou, na batalha de Poitiers, uma poderosa invasão muçulmana proveniente da Península Ibérica que quase inteiramente já tombara sob o poderio dos invasores maometanos.

Diante da decadência e abulia dos últimos Merovíngios, muito pouco faltava aos Pepinídios para se tornarem reis de direito, como de fato já eram. Uma consulta feita a Roma, ao Papa São Zacarias (+ 752), chancelou a mudança dinástica. Considerando que havia mais de um século os Merovíngios já não exerciam efetivamente a realeza, e considerando que o bem comum do reino requeria reis efetivos, o Pontífice reconheceu o Prefeito do Palácio Pepino, o Breve, como Rei Pepino I. Esse fato se passou em 751. Pepino reinou até 768, e nesse mesmo ano nasceu seu filho Carlos, que foi o terceiro rei da nova dinastia (depois do breve reinado de Carlomano I, seu irmão mais velho, falecido prematuramente) e passaria para a História como Carlos, o Grande, ou Carlos Magno (768-814) – que foi Rei dos Francos e Imperador do Ocidente.

Carlos realmente merece a designação de Magno, pois foi um dos maiores monarcas da História, grande chefe militar e político, administrador, legislador e incentivador de uma renovação cultural que os modernos historiadores europeus designam como “Renascimento Carolíngio”. (Voltaremos a tratar dele na próxima semana)

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Armando Alexandre dos Santos, licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba

 

 

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