Camilo Irineu Quartarollo
Por certo que os gatos são independentes, livres e soberanos por natureza. Já disseram que os gatos são do diabo, são bruxos disfarçados. No Brasil, ainda se atira o pau no gato e não se acerta nunca. Não é apenas questão de negociações diplomáticas ruins com a China, mas a da ridícula posição em desqualificar aquela nação de cultura milenar. Sem o menor escrúpulo praticam-se aqui preconceitos idiotas contra outros povos. Não somos assim! Nem tão idiotas!
No Brasil, ainda estamos procurando o gato preto no escuro e o gato branco na neve. Aliás, debatendo no obscurantismo da terra plana com gatos pardos. A China milenar tem um legado cultural enorme de sobrevivência, resiliência, espiritualidade, e agora, tecnologias.
Nos anos setenta, Deng Xiao Ping põe em ação a Economia de Mercado Socialista na China, na política do diálogo com outros países, inclusive com o Japão, do qual os chineses se ressentiam devido às guerras passadas. Deng disse “não importa se o gato é branco ou preto, desde que cace o rato”.
Que importa se o vizinho fuma baseado, a moça da esquina é prostituta, o padre é casado, o pastor namora ou com quem a celebridade faz sexo, ou ainda, se tal país é comunista, muçulmano, cubano, venezuelano, etc. Que importa a cor do gato, se caça o rato?! Ou seja, qual o foco? Não se vê o gato preto no escuro ou o branco na neve até que se movimente, caçando. Na verdade, o gato não pega o rato, caça-o, brinca com a presa.
Conheci um chinês, pai de cinco filhos que cultivava brotos de feijão em casa. Vendia aos restaurantes os ditos brotos com os bolinhos primavera que a família fazia. Praticava também a acupuntura e um sorriso enigmático de Buda. Dizia “não pode ficá nervoso”. “Tenho de me controlar”, repliquei. Sem deixar de sorrir dizia “non controla, non ficá”.
Aprofundei-me em perguntar sobre religião chinesa. Não religião, asseverou ele, era só Tao. Um dia me convidou a fazer a iniciação no Tao. Declinei e um dos motivos que lhe dei foi “não sou vegetariano”. Ele disse “não precisa parar de comê carne, você deixa de comê carne”. Estranhei, mas depois entendi. Quem para, não deixou de fazer, interrompeu e volta à prática; quem deixa o faz por outra coisa – talvez pela evolução do próprio Tao. Acho que o Tao não é processo forçado nem uma conversão traumática, de culpas, nem de castigos divinos ou inadequação social de mentes assustadas.
Este chinês me impressionava pelas coisas que conseguia fazer, “naturalmente”? Ele dizia “por que non?!” Um dia me disse com um sorriso largo de Buda que “ia fazer um santuário”. Vai contratar pedreiro, perguntei. “Pedreiro?!”. “Não. Eu mesmo faz”. O santuário do Tao está feito, com dois andares, com salas de estudo e quartos para retiros. Fez sozinho. Aliás, existem frases derrotistas na nossa língua: não consigo, não dá, fazer o quê? Lembrem-se: não ficá nervoso, viu.
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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente judiciário e escritor, autor do livro A ressurreição de Abayomi, dentre outros