O dia em que o Brasil perdeu uma Piracicaba

Fabio Camilo Biscalchin

Daner Hornich

 

Em 2020 a população estimada pelo IBGE da cidade de Piracicaba, situada no interior do estado de São Paulo, era de 407.252 pessoas.

No dia 02 de maio de 2021, uma cidade de Piracicaba, deixou de existir no Brasil. Atingimos mais de 400 mil mortes! No entanto, este fato tão terrível continua sendo desconsiderado por uma boa parte da população brasileira e, isto se deve, a pelo menos três elementos:

[1] A supervalorização da superficialidade como estratégia de dominação. Vídeos –  não textos e artigos -, de dois ou três minutos, em média, tratando de assuntos de muita complexidade começaram a ser demasiadamente simplificados, oferecendo conclusões apressadas às questões que não são passiveis de simplificação. Pessoas descompromissadas ou desprovidas de instrução, assimilam estes vídeos e, instantaneamente, se sentem empoderadas de um suposto conhecimento que, até então, era validado pela pesquisa, pela investigação realizada por estudiosos e cientistas que se dedicavam por anos a propósito.

Uma vez empoderadas pelos vídeos efêmeros, julgam-se capazes de demonstrar mais conhecimento do que aqueles (pesquisadores, cientistas) fomentando a supervalorização da superficialidade, que é sinônimo de uma vida veloz que não permite mais tempo para refletir.

A superficialidade é o mesmo que não pensar. Pensar exige tempo. A superficialidade é atrelada à velocidade. O pensar busca o conteúdo robusto do que se estuda por vários ângulos. A superficialidade é o vazio da gritaria. Não há nada lá.

A autora alemã Hannah Arendt dizia que a banalização do mal está ligada ao não pensar, à superficialidade.

[2] Nunca neste país celebramos tanto a divisão ao invés da comunhão. Quando não se pensa, quando se vive a partir das conclusões superficiais, o mal predomina. O mal é a divisão. A divisão aparece através do ódio. O ódio não permite a comunhão.

Nestes últimos sete ou oito anos, o Brasil vive a divisão e, neste momento, o país está sendo construído apenas para alguns; os demais estão destinados a morrer. Não se observa mais um sentido de pertença, em que a vida digna de um somente é possível com a vida digna de todos.

A comunhão exige não deixar ninguém para trás ou para baixo.

Para os cristãos a mensagem é explicita: “a divindade se esvaziou (kénosis), se fez pequena, para que na pequenez pudesse resgatar até o último dos mais miseráveis”. É impossível aceitar um cristão vivendo na superficialidade e, assim, no ódio.

[3] Ele está no meio de nós e não acima de nós. Talvez os cristãos tenham sido induzidos ao erro ao se submeterem à superficialidade, já que é inimaginável, na correta teologia, aceitar a ideia de um “deus acima de todos”.

A ideia de um “deus acima de todos” é a mesma ideia de “cada um por si e deus por todos”. É a ideia do ódio, da concorrência, da falsa predestinação, do equivocado conceito de mérito. NÃO! Na teologia cristã, “Deus está no meio de nós”; Ele é comunhão, ele é trindade, ele é comunidade. Deus está no nosso meio através das relações interpessoais pautadas na busca do bem comum, que levam à comunhão. A comunhão nasce da verdade, que é estar ao lado dos mais pobres. Não é possível ser cristão aceitando que as pessoas vivam na miséria, em condição de sobrevivência.

Diante do exposto, questiona-se:  por que chegamos à situação de aceitar uma interpretação superficial da verdade?

A resposta não é simples, contudo, passível da provocação: “ausência de uma educação de profundidade”!

E, atinente aos cristãos, apreendemos que lhes faltou uma boa catequese, uma boa escola dominical e, portanto, bons catequistas; faltaram bons líderes religiosos educadores; Ademais, onde estão os padres, os pastores, os religiosos, o bispo para explicar que “deus não está acima de todos”, mas, sim, “no meio de nós”, e no que implica a presença dEle em nosso meio e junto de todos nós.

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Fabio Camilo Biscalchin, Mestre em Educação; Daner Hornich, Doutor em Filosofia

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