Camilo Irineu Quartarollo
Dia do trabalhador. Qualquer coincidência com o filme de Charlie Chaplin dos anos trinta do século passado é mera semelhança. O homem-macaco na linha de montagem não podia parar e almoçar.
A empresa testou uma máquina de alimentar o operário. O filme mostra o alimentado atrapalhado com os bocados que a máquina ia lhe entuchando antes que pudesse mastigar e limpar a boca.
Nossa legislação trabalhista permite acordo individual para encurtar o horário de almoço para quinze minutos apenas.
No filme de Chaplin, Tempos modernos, esse funcionário trapalhão cativou muita gente. Acusado de um crime que não cometeu. Ingenuamente, juntou uma tabuleta caída em meio de uma passeata da qual não participava. Foi preso e enquadrado, com as pechas de praxe. Hoje o chamariam de comunista, sindicalista, esquerdista, desordeiro, arruaceiro, perigo à sociedade. Depois de solto por comportamento exemplar quis voltar à prisão onde tinha almoço, droga e “paz”, melhor que na fábrica.
É menos traumático ver o filme que a situação de milhões de trabalhadores brasileiros, cujo primeiro de maio se comemora nessa crise financeira, de direitos e de pandemia.
Até aqui era filme antigo, mas o que se propôs e foi aprovado na Reforma trabalhista é que o funcionário pode comer seu sanduíche com uma mão, a esquerda e, com a direita continuar a apertar parafusos, mesmo que o operário se torne obsessivo como no filme e vá apertar os mamilos das senhoras na rua. Ou continuar até que as tendinites o encoste como pária hindu ou as engrenagens o suguem.
Um grande empresário brasileiro disse “você vai aos Estados Unidos, vê o cara almoçando, comendo um sanduíche com a mão esquerda e operando a máquina com a mão direita. Tem quinze minutos para o almoço, entendeu?”. Alto lá, sanduíche não é almoço e comer operando máquina é se arriscar a ser engolido pela mesma. Aliás, isso acontecia frequentemente no século XIX e muitos perdiam dedos, mão, braços, nos teares da França e Inglaterra. O país regride à velha modernidade. Quinze minutos de “almoço”, pasmem, entrou na Reforma Trabalhista de 2017, sob o governo Temer. Esperem, não tirem conclusões apressadas, isso é negociado com o funcionário, não com o sindicato necessariamente, como se pusessem um terceiro para interferir no negócio.
Se o empregado é uma pessoa esclarecida, conhece leis, direitos, tiver capacidade argumentativa pode se dar bem negociando diretamente com o empregador que tem assessoria jurídica, meios de persuasão diante do postulante a uma vaga. A maioria dos trabalhadores confia mais na palavra que no papel. Portanto, a Reforma Trabalhista deixa que o negócio se dê, conforme o desespero do desalentado. Aviltados, suor e migalhas que caem com o salário e, sem dinheiro, quem vai comprar os produtos? Valeu a pena Reforma tão mesquinha?
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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, autor do livro A ressurreição de Abayomi entre outros