Sobre a Pintura em Miniatura

Gabriel Chaim

 

O tema desta semana abordará a arte figurativa na perspectiva do Islã e como é vista em comparação às demais artes consideradas sagradas. A Pintura em miniatura, em seus muitos estilos e escolas, são abundantemente encontrados no mundo islâmico e estão presentes em diversas produções literárias de cunho sagrado ou secular. Essa qualidade portátil, de fazerem parte de ilustração de livros e textos e em relação ao real tamanho dos elementos pintados dá o nome de “miniatura” a essas obras.

A Miniatura Persa (chamado assim por ter suas origens na Pérsia, atual Irã) tem uma qualidade distinta em relação às outras artes islâmicas por excelência; diferentemente da geometria sagrada ou da caligrafia — ambas em um terreno elevado na arte islâmica –, as pinturas em miniatura não estão incluídas no escopo da Arte Sacra, já que sua natureza figurativa e sua essência representacional são cuidadosamente ponderadas pelas premissas do Islã. Titus Burckhardt, historiador da arte afirma que: “(…) a questão de saber se a arte figurativa é proibida ou tolerada no Islã, concluímos que a arte figurativa pode perfeitamente ser integrada ao universo do Islã, desde que não esqueça seus próprios limites, mas ainda assim desempenhará um papel periférico; não participará diretamente da economia espiritual do Islã” (Tradução do Autor – Burckhardt, 2009).

Em “seus próprios limites”, Titus se refere à reprodução estilizada do mundo natural, nada realista. Ele alude a uma abordagem platônica da arte islâmica que, ao invés de representar elementos específicos do mundo natural como uma determinada flor ou um determinado animal, a miniatura persa se aproxima da própria ideia de tal animal ou tal flor, significando que, em um exemplo também dado por Titus, ao se pintar um cavalo, o artista não está interessado em representar um cavalo em específico, mas em reproduzir o próprio arquétipo de um cavalo: “Em linhas gerais, a miniatura persa — e estamos aqui considerando-a em suas melhores fases — não busca retratar o mundo exterior tal como comumente se apresenta aos sentidos, com todas as suas desarmonias e acidentalidades; o que está indiretamente descrevendo são as ‘essências imutáveis’ (al-a ‘yan ath-thabitah) das coisas, pelas quais um cavalo não é simplesmente um membro particular de sua espécie, mas um cavalo por excelência; é essa qualidade genérica que a arte da miniatura busca apreender (…)” (Tradução do Autor – Burckhardt, 2009).

Detalhe,exemplos de cavalos na miniatura persa

 

A Miniatura Persa, embora figurativa por excelência, é também essencialmente atmosférica. Seus elementos visuais cooperam na construção de um mundo idealizado; um terreno de arquétipos visuais em sintonia com as idéias e a moral da vida islâmica e como eram vividas no mundo terreno. Sem dúvida, em seu cerne, o Islã nasce no aniconismo por sua natureza abraâmica, porém, o homem vive em um mundo feito de arquétipos formais (como sons e imagens) e eles (esses arquétipos) são encontrados na miniatura persa em suas formas mais idealizadas, conferindo à pintura sua condição onírica (como se fosse um sonho) que, embora retrate cenas deste mundo, devido à sua narrativa visual que serve a um texto e embeleza suas personagens, dificilmente representam a experiência humana da forma como e vivida. Essa qualidade de sonho das pinturas seria apenas revelada para aqueles que, adotando um termo usado pelo mestre sufi Martin Lings,  “abriram os olhos do coração, e passaram a ver com as lentes do intelecto”, inferindo o alto grau de espiritualidade compreensão das leis islâmicas que seus artesãos requeriam para produzir tais imagens.

Gostaria de finalizar nas palavras de Titus: “O paraíso é uma primavera eterna, um jardim em perpétuo florescer, refrescado por águas vivas; é também um estado final e incorruptível como minerais preciosos, cristais e ouro. A arte persa (…) busca combinar essas duas qualidades: o estado cristalino, que se expressa na pureza das linhas arquitetônicas, na geometria perfeita das superfícies em arco e na decoração em formas retilíneas; quanto à primavera celestial, ela desabrocha nas flores estilizadas e nas cores frescas, ricas e suaves dos ladrilhos de cerâmica” (Tradução do Autor – Burckhardt, 2009).

 

“Ascensão de Muhammad ao céu” (1539-1543), do Khamseh de Nizami

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Gabriel Chaim, pintor, Mestrado em Artes Visuais Islâmicas e Tradicionais na Prince’s School of Traditional Arts; [email protected]; instagram: @gabrielluizchaim

 

 

 

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