Adote um professor

José Renato Nalini

 

No discurso, o professor continua a ser a profissão mais importante do mundo. É dele que depende o amanhã. Um futuro cada vez mais incerto, pois as verdades de ontem parece que ruíram. Tudo está líquido, como queria Bauman, tendendo a evaporar. O que surgirá em seguida?

O inesperado está à espreita e a futurologia converteu-se num exercício surreal. Ninguém consegue prever o que acontecerá em uma semana. Quanto mais ousar um profético prognóstico para as próximas décadas.

O que se sabe é que o mundo mudou. Somos manipulados pela inteligência artificial, cujos algoritmos nos conhecem melhor do que nós mesmos. Até porque a ciência é neutra e nossa autoimagem é falaciosa. Tendemos a nos enxergar melhor do que os outros nos veem e nossa honra subjetiva quase nunca vai coincidir com a honra objetiva. O que o mundo pensa de nós.

Os nativos digitais parecem ter nascido com chip que os habilita a desenvolto manuseio das bugigangas digitais disponíveis. Os millenials não conseguem assimilar a cultura analógica, para eles não somente superada, mas verdadeiramente anacrônica e necrosada. E isso nem sempre é compreendido por nossa geração.

Aulas prelecionais com a transmissão de conhecimentos muita vez desatualizados, não convencem o jovem a permanecer atento. Daí o sucesso da estratégia TED, com a concentração de mensagem nos dez minutos intensamente sorvidos pelos ouvintes.

O professor precisa se atualizar. Não é a melhor palavra, mas reciclagem dá uma ideia do que precisa ser reinventado em matéria de ensino. A utilização híbrida veio para ficar. Conteúdo fornecido pela internet para posterior discussão, debate, análise e orientação, formação de uma opinião crítica do alunado, por mestres que se convençam de que não são mais eles os detentores do conhecimento. Devem ser indutores da curiosidade do educando, que terá condições de desenvolver pesquisa e chegar a uma análise ponderada do material disponível, com a ajuda do educador. Este precisa ser uma espécie de professor particular. Identificar o ritmo de apreensão de cada estudante, fornecer um apoio individualizado, fazer desabrochar as potencialidades de que cada ser humano é naturalmente dotado.

É preciso abandonar a estratégia convencional, que já era criticada há séculos por Montaigne, para abrir espaço à ousadia e à audácia. À experimentação. Há riscos e há perigos. Mas tudo é melhor do que tentar padronizar aquilo que se deve oferecer no cardápio da escola.

Os estudantes de hoje já estão insertos no mundo tecnológico. Dominam os games, sabem o que são apps, interessam-se por robóticas, drones, labs, conhecem o desafio de explorar o mundo real versus o digital. Querem aprender a programar, a extrair funcionalidades e a usar de forma híbrida a conjugação de várias das tecnologias disponíveis. Se possível, criar outras.

Realidade virtual, realidade aumentada, inteligência artificial, internet das coisas, criptografia e segurança, biometria, é algo que a juventude conhece melhor do que a imensa maioria dos professores. A convivência equilibrada entre o mundo real e o virtual permitirá um desenvolvimento pedagógico do alunado, com vistas à redução do perigo de mergulho irreversível numa realidade fantasiosa e imaginativa, o que resultaria em nefasta alienação.

Há expertos nas mais modernas tecnologias que precisariam oferecer tais ferramentas aos professores. A Universidade, as grandes empresas, os institutos científicos, os luminares nas mais diversas áreas deveriam adotar um professor. Há muitos docentes que têm noção da insuficiência daquilo que lhes foi ensinado ao tempo de sua preparação à docência. E querem acompanhar o vertiginoso ritmo da Quarta Revolução Industrial.

A adoção de um docente, informal e efetiva, proverá o Brasil de um profissional renovado, aquele imprescindível para a retomada do desenvolvimento, hoje tão distante, consideradas as prognoses extraíveis de nossa performance educacional, comparada com a de países em situação aparentemente análoga.

Não se espere providência governamental. Educação é algo cuja urgência e seriedade não se adaptam ao ritual da política partidária, ao menos em ponderável parte da estrutura estatal preordenada a promovê-la.

Quem acredita em Democracia Participativa tem o dever de atuar para implementá-la. Desistir é condenar algumas gerações a um porvir caótico. Não é isso o que esperam e querem os brasileiros de bem.

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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

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